O STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou nesta quarta-feira (25), por unanimidade, que testemunhas de Jeová não sejam submetidos a transfusão de sangue, se assim desejarem.
Os ministros também entendem que o Estado deve custear o tratamento alternativo que esteja disponível.
Testemunhas de Jeová é uma religião cristã que faz uma interpretação literal de uma passagem da bíblia e entendem que Deus ordena seus súditos a se absterem de sangue.
Caso a possibilidade só seja possível em local diferente de onde o fiel mora, a corte também entende que há possibilidade de transporte e estadia serem pagos pelo poder público.
Foi aprovada uma tese que diz que “testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa”.
“Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”
Foram julgados dois processos de repercussão geral, que incidem em todas as ações similares no Judiciário brasileiro.
Os processos são relatados pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Além deles, votaram Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Dias Toffoli está em licença para tratamento médico, e não participou da sessão.
Ao votar, Barroso afirmou que a liberdade religiosa tem relação com a dignidade da pessoa humana, a autonomia pessoal e o valor comunitário.
Ele disse que cortes internacionais têm diversos precedentes sobre a recusa da transfusão de sangue, e que a Colômbia decidiu na mesma linha em um caso semelhante ao brasileiro.
“O Estado não pode ter religião oficial ou apoiar uma em detrimento de outra. [Mas] Laicidade não significa oposição às religiões, mas assegurar a todas as religiões o direito de se manifestarem dentro da lei. Portanto, por se tratar de interdição a transfusão de sangue de um dogma de Testemunhas de Jeová, é legítima a meu ver a recusa”, disse o ministro.
Barroso diz que devem ser considerados alguns requisitos para a recusa ao tratamento, como que a manifestação ser feita por paciente maior e em condições de discernimento, além de ser dada de forma voluntária e autônoma, sem pressão ou coação.
Dois pontos foram discutidos com mais ênfase pelos ministros. Uma preocupação levantada foi sobre a situação de crianças e adolescentes.
Os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin argumentaram que é preciso zelar do melhor interesse desses grupos e, assim, que o julgamento deixasse expresso que a discussão valeria para adultos e a escolha a ser feita para si próprio.
Um ponto levantado por Dino é de que o médico também não pode ser obrigado a aplicar tratamento alternativo, especialmente se não houver consenso científico do protocolo. Zanin se uniu à posição de Dino, afirmando que o profissional de saúde tem o direito à objeção de consciência.
A discussão teve início em 8 de agosto, quando o Supremo ouviu os argumentos das partes e de associações e organizações sobre o tema.
O primeiro recurso, de relatoria de Barroso, trata do caso de uma mulher que teve sua cirurgia de substituição de válvula aórtica negada pela Santa Casa de Maceió (AL), após a paciente se recusar a assinar o termo de consentia eventuais transfusões de sangue na operação.
Ao acionar a Justiça, ela frisou que estava ciente dos riscos da cirurgia sem a transfusão e exigiu um tratamento alternativo.
Já no segundo caso, a União recorre contra uma decisão que a condenou, junto com o Estado do Amazonas e o município de Manaus, a arcar com toda a cobertura médica de uma cirurgia de artroplastia total.
A paciente teve que ser transferida para São Paulo, já que o procedimento sem uso de transfusão de sangue não é ofertado no Amazonas.