Um dos grandes desafios do novo governo será posicionar o Brasil como uma liderança ambiental e climática. Como escrevi aqui antes, sua intenção em assumir um papel de liderança na agenda do clima, da biodiversidade, da redução das desigualdades e da fome é um bom começo. No entanto, será necessário transformar as intenções e os discursos em prática.
Para tal, uma definição fundamental é a da governança das questões climáticas, que tange a capacidade de inserção da sustentabilidade no conjunto das políticas públicas e em suas inter-relações. Por exemplo, a definição de onde a responsabilidade pelo clima será alocada na estrutura do governo.
Fazendo uma analogia, quando pensamos em uma empresa e sua agenda de sustentabilidade e ESG, um dos desafios é identificar quais áreas ou departamentos da empresa seriam as guardiãs e responsáveis por essas estratégias. No governo, os ministérios seriam os departamentos, pois auxiliam o presidente na tomada de decisão, integrando a cúpula administrativa. Por definição, os ministérios são diretamente subordinados ao presidente da República e, além de auxiliá-lo no exercício do Poder Executivo, têm autonomia técnica, financeira e administrativa para executar as ações nas suas áreas de competência. Por isso, o desenho dos ministérios e a alocação das responsabilidades climáticas será crucial no avanço da agenda no Brasil.
Novamente, comparando a decisão de governança pública à de governança privada, no mundo corporativo existem vários exemplos de empresas que criam seus departamentos de sustentabilidade e ESG, outras que inserem a responsabilidade por sustentabilidade e ESG nos departamentos de operações, de marketing, de recursos humanos, entre outros. Apesar de diferentes arranjos gerarem bons resultados, as evidências mostram que os melhores são aqueles que conseguem inserir as questões de sustentabilidade de forma transversal na sua estrutura organizacional e, num nível avançado, fazer com que sustentabilidade seja parte da estratégia e do DNA da empresa –ou seja, parte da sua cultura.
Voltando à definição dos ministérios, o novo governo assumiu, ao longo da campanha do segundo turno, um discurso de transversalidade para o tema da sustentabilidade, com integração entre os diversos ministérios e a provável criação de uma supersecretaria ou autoridade de emergência ou riscos climáticos, ligada diretamente ao presidente e com a responsabilidade de organizar os esforços dessa agenda. Assim, a agenda climática não ficaria restrita ao Ministério do Meio Ambiente, norteando as políticas públicas de forma transversal.
Sem dúvida, a criação de uma secretaria, autoridade ou ministério guardião das questões climáticas, para além do Ministério do Meio Ambiente, pode ser uma boa estratégia. Isso garantiria foco para o planejamento e a execução de políticas públicas, que hoje se perde dadas outras inúmeras questões ambientais que são de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente.
Mas isso não será suficiente. Clima é um problema complexo. Quando avaliamos as diferentes causas das mudanças climáticas, ainda que com diferentes pesos em diferentes países, sempre esbarramos em decisões a respeito da matriz energética, decisões relacionadas a uso da terra, desmatamento, transporte, moradia, emprego e renda, entre outros.
Por isso, além da criação da secretaria será importante entender qual será a orientação do novo governo, no que tange ao Ministério, quanto a energia e transição energética, em especial em relação ao gás natural. O tema também deveria ser central na agenda do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, já que este fomenta as estratégias de produção e promoção da tecnologia no país.
Também teremos que integrar meio ambiente e clima na agenda do Ministério da Agricultura. Se é essa a pasta que cuida da promoção do agronegócio e da segurança alimentar do país, não faz sentido descuidar de meio ambiente e do clima, dado que sem recurso natural não existe agro, e dado que a segurança alimentar está diretamente relacionada às questões climáticas. Disponibilidade e preços dos alimentos são influenciados pelo regime de chuvas e por outras condições edafoclimáticas. No caso do Brasil, isso é ainda mais importante, pois a maior parcela das nossas emissões de gases do efeito estufa é proveniente de mudanças no uso do solo e desmatamento. Ou seja, não dá para dissociar a responsabilidade climática do agronegócio.
Sem dúvida, o tema também deveria ser central na agenda do Ministério da Saúde. Clima é uma questão de saúde pública. Várias das consequências das mudanças climáticas são e serão ainda mais percebidas em função do aumento de doenças relacionadas, o que geraria mais gastos públicos. Hoje sabe-se que o aumento da temperatura na Terra tem relação com acidentes vasculares cerebrais e ataques cardíacos fulminantes.
Por sua vez, acidentes vasculares têm relação com perda de produtividade. Ainda nessa linha, o aumento da temperatura também tem relação com a ocorrência de partos prematuros e de risco, o que no médio prazo pode piorar a desigualdade de gênero no ambiente de trabalho. Muitas mulheres demoram mais para voltar ao trabalho após um parto de risco, quando voltam.
É possível integrar questões climáticas na agenda de todos os minitérios. Talvez, no entanto, o mais importante seja garantir a integração do tema na agenda do ministério ou dos ministérios que cuidarão da economia e das finanças. O engajamento efetivo da economia e das finanças nos esforços climáticos é crítico, dado que esses seriam responsáveis pelas políticas econômica, fiscal e financeira. A OCDE projeta que uma transição verde efetiva poderia aumentar em 10,5% os novos empregos. Um impulso para isso deve vir de políticas fiscais que eliminem subsídios perversos ao meio ambiente e ao clima, e que alavanquem impostos favoráveis, além é claro, da regulação do mercado de carbono e dos títulos verdes.
As considerações relativas às alterações climáticas —incluindo os riscos decorrentes da perda de biodiversidade— deveriam ser integradas no trabalho de planejamento e de projeções econômicas, bem como nas avaliações de impacto, planejamento orçamentário e sustentabilidade das finanças públicas. Isso já é realidade em vários países, como Alemanha, Países Baixos e até mesmo no nosso vizinho Colômbia, que é hoje considerado no ranking da Statista o 3º país mais sustentável da América Latina, após Costa Rica e Uruguai. O Brasil ocupa o 7º lugar na lista, apesar de apresentar vantagem comparativa significativa perante os demais.
Podemos fazer muito mais e melhor. Mas, para que isso aconteça, é preciso reconhecer que clima e desenvolvimento econômico estão inextricavelmente ligados. As alterações climáticas já geram graves consequências para o ambiente e limitam a capacidade de vida na Terra, especialmente nos países em desenvolvimento. Se conseguirmos limitar o aquecimento global e adaptarmo-nos às alterações climáticas, poderemos evitar consequências incontroláveis para o nosso planeta e, ao mesmo tempo, criar oportunidades de emprego e renda.