Depois de certa idade, a vida parece entrar na frequência paralela e melancólica que aos poucos relega a um plano distante tudo quanto pensávamos nos satisfazer. Uns lutam contra o invasor, outros não veem saída e se entregam, mas, de qualquer forma, perdura a sensação de que o existir foge-nos, deixando no lugar alguma coisa entre a teimosia e a morte ela mesma. Nessas horas, toda ajuda é bem-vinda e métodos pouco ortodoxos ganham status de ciência — ao menos até que surja uma ideia melhor, para problemas que não esperam.
Todos já nos identificamos com os protagonistas de “Druk — Mais uma Rodada”, a distopia intimista assinada pelo Thomas Vinterberg, em que o dinamarquês escarafuncha a rotina de quatro amigos, professores do ensino médio, proustianamente ávidos por recuperar o tempo que já não volta. Ao longo da viagem, Vinterberg e o corroteirista Tobias Lindholm dão verniz científico a uma perigosa (e excitante) descoberta de um deles, farsescamente conduzida com moderação cartesiana, até redundar num princípio de desajuste social de proporções inestimáveis.
Na introdução, adolescentes disputam um campeonato de tolerância à bebida, que se estende para a farra no metrô, quando um deles algema o segurança numa barra de ferro. A condução rápida de Vinterberg pula de uma ação a outra deixando que o espectador faça os ajustes necessários, e no colégio onde o garoto estuda, o caso é discutido no conselho de classe.
Enquanto isso, nas salas ao redor, professores ministram aulas nada estimulantes, mas Martin é quem está mais angustiado, quiçá porque o mal-estar já transbordasse nele. Mads Mikkelsen transfere para o protagonista a dose de esmorecimento que nos assalta a todos em algum grau durante inúmeras fases da vida. Martin é quem acusa o golpe mais inequivocamente, a ponto de não conseguir levantar-se da cama, porém outros três amigos acompanham-no numa crise da meia-idade que se derrama para a carreira. Nenhum dos quatro é capaz de fazer queimar de novo o prazer de partilhar com seus alunos as inquietações que antes viravam respostas e incertezas diferentes, até que uma informação no mínimo curiosa inspira-lhe um laivo de esperança.
Um estudo aponta que o corpo humano vem com uma descompensação congênita do nível de álcool baixo demais, logo, Martin conclui, há que se reparar essa injustiça da natureza. Malgrado seja professor de história, Martin vê na pesquisa a solução para seus problemas, gradativamente mais invasivos, e se dedica a manter a taxa de álcool no sangue em 0,05% em todas as ocasiões, inclusive — ou principalmente — durante o horário comercial. Ele faz com que os outros também conheçam sua epifania, e a metamorfose sustentada por Mikkelsen sem dúvida é o ponto alto de um filme assumidamente burlesco, caricato, para o qual Vinterberg reserva um desfecho messiânico, mas jocoso. Exatamente o que talagadas descomedidas fazem de nós.
Filme: Druk — Mais uma Rodada
Direção: Thomas Vinterberg
Ano: 2020
Gêneros: Comédia/Thriller
Nota: 9/10