A existência deste blog é sintoma de que substâncias psicodélicas deixaram de ser tabu. Ter números para comprovar isso, como os compilados no relatório “A Percepção em Evolução de Psicodélicos”, mostra-se mais confiável do que tomar a afirmação do blogueiro por seu valor de face.
O documento, disponível em inglês, traz a assinatura de Josh Hardman, fundador e consultor da newsletter Psychedelic Alpha. Para corroborar o que a muitos parece óbvio, a reabilitação de psicodélicas pela medicina, ele se debruçou sobre várias pesquisas de opinião e levantamentos abrangendo o público em geral, pacientes e profissionais de saúde.
Hardman começa dando destaque para três pesquisas de percepção pública representativas da população de quatro países, realizadas entre 2020 e 2023. São eles: Estados Unidos, Brasil, Reino Unido e Noruega. A seguir, os principais achados, ordenados pelo tamanho das amostras.
A maior das pesquisas, com 2.203 participantes, foi feita nos EUA pela empresa MorningConsult em 2023. Encontrou que 32% dos adultos entrevistados tinham interesse em experimentar psicodélicos como tratamento para problemas de saúde mental.
A maioria (55%) também apoiou que o governo norte-americano promova estudos na área. No entanto, mais de três quartos dos ouvidos opinaram que há prioridades mais urgentes, como expandir acesso à assistência psiquiátrica, reduzir custos, ter cobertura por seguros de saúde e investigar as causas da crise de saúde mental.
A segunda maior pesquisa de opinião destacada no relatório de Hardman foi a do Datafolha realizada em setembro de 2023 com 2.016 eleitores brasileiros. Entre eles, 36% indicaram que aceitariam “com certeza” tratamento à base de psicodélicos, e outros 16% que o fariam havendo indicação por médico de sua confiança.
Uma maioria, portanto, de 52% a favor dessas terapias inovadoras. O resultado positivo, contudo, veio contrabalançado por um contingente de 43% que recusariam tratar-se com tais medicamentos em qualquer situação.
Em 2021, 55% de 1.763 britânicos ouvidos na pesquisa YouGov/PsiloNautica declararam apoiar mais estudos para tratamentos com psilocibina, composto psicodélico originalmente encontrado nos chamados “cogumelos mágicos”. Neste caso foi maior (75%) a prioridade dada a mais profissionais de saúde mental.
Em 2023, a Universidade da Califórnia em Berkeley submeteu uma grande bateria de questões a 1.500 eleitores norte-americanos. Foi uma das pesquisas de opinião mais abrangentes já realizada sobre o tema.
Nada menos que 61% deles disseram-se favoráveis a legalizar tratamentos com psicodélicos. E um pouco menos da metade (49%) concordou que caberia descriminalizar porte e uso pessoal dessas substâncias.
Na Noruega, em 2020, um total de 1.078 entrevistados apresentou opinião levemente majoritária (51%) a experimentar psilocibina em tratamento médico. Além disso, 8% afirmaram já ter usado a substância no passado.
Apoiando-se em outros dados, como levantamentos periódicos sobre uso de drogas nos EUA e resultados de votações de iniciativas populares para descriminalizar psicodélicos, como as realizadas nos estados do Oregon (2020) e do Colorado (2022), Hardman conclui que a imagem dos compostos alteradores de consciência vem melhorando de modo paulatino.
Esse avanço tem a ver com a proliferação de testes clínicos de psicodélicos para transtornos como estresse pós-traumático e depressão. No primeiro caso, a FDA, agência americana de fármacos, pode autorizar o uso terapêutico de MDMA (ecstasy) ainda em 2024. Depois deve ser a vez da psilocibina para deprimidos.
O acúmulo de evidências sobre o potencial terapêutico de psicodélicos vai dando fim ao ostracismo científico em que essas drogas foram lançadas pela Guerra às Drogas declarada em 1971 por Richard Nixon, que arrastou a comunidade internacional para um proibicionismo sem justificativa.
A má fama adquirida sob forte propaganda começa a dissolver-se sob o peso de vários ensaios clínicos a mostrar efeitos benéficos. Por outro lado, o relatório registra que ao menos nos EUA está ocorrendo um aumento espontâneo do consumo de psicodélicos, motivado provavelmente pela visibilidade que esses estudos vêm tendo na imprensa, em documentários e livros.
Hardman reuniu dados mostrando que profissionais de saúde também começam a abandonar preconceitos. Em 2016, apenas 42,5% de 324 psiquiatras norte-americanos entrevistados concordavam moderada ou fortemente com a ideia de que psicodélicos tinham potencial para tratar transtornos mentais. Ao repetir o levantamento sete anos depois com 131 desses especialistas, o mesmo grupo encontrou concordância de 80,9%.
O relatório lista ainda outros levantamentos, não só com médicos, mas também com psicólogos, estudantes de medicina e outros profissionais de saúde. E diagnostica, com base neles, que é necessário dedicar mais esforços para educar o público, especializado ou não, sobre o que de fato podem e não podem fazer os psicodélicos –que não são nem drogas perigosíssimas nem panaceias para todos os males do mundo.
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AVISO AOS NAVEGANTES – Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem “Cogumelos Livres” na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.
Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.
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