Quase cinco anos após a aprovação da reforma trabalhista, que fez modificações profundas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a legislação volta a ser discutida com a proximidade das eleições de outubro.
Modificações na legislação são parte dos programas de governo de alguns dos principais candidatos à Presidência, e mesmo com a vantagem nas pesquisas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as maiores centrais sindicais do país não esperam uma revogação do texto ou a volta do imposto sindical —apenas contam com uma “reforma da reforma”.
“Temos falado em revisão, não em revogação da reforma. O que defendemos —e estamos conversando a respeito— é fazer no Brasil o que aconteceu na Espanha, uma revisão discutida por sindicatos, governo e empresários”, diz Miguel Torres, presidente da Força Sindical.
Ele ressalta, entre os pontos que foram implantados e que precisariam ser revisados, o fortalecimento da participação dos sindicatos na questão do negociado sobre o legislado. “A redução de jornada, por exemplo, não pode ser negociada com cada trabalhador”, afirma, acrescentando a necessidade de rever as regras de terceirização e do contrato intermitente (prestação de serviço de forma esporádica).
Centrais sindicais não reivindicam volta do imposto
Outro ponto sensível sobre a revisão da reforma é a possível volta do imposto sindical. A contribuição era obrigatoriamente paga pelo trabalhador uma vez por ano, no mês de março, correspondendo à remuneração de um dia de trabalho. Ela foi criada para fortalecer o movimento sindical e era descontada pelos empregadores na folha de pagamento. A mudança trabalhista de 2017 tornou o imposto opcional.
Dados do Ministério do Trabalho e Previdência indicam que houve uma queda de 90% com a aprovação da reforma na arrecadação das entidades laborais (sindicatos, federações e centrais), de 2017 para 2018, de R$ 2,23 bilhões para R$ 202,4 milhões.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) diz que sempre foi contra o imposto sindical, e que já defendia a contribuição associativa.
Para Torres, da Força, a volta da contribuição obrigatória não é uma possibilidade, mesmo em caso de revisão da reforma. “O imposto não vai voltar, não reivindicamos isso e nem iremos. O que tem de ser discutido é o financiamento sindical, via convenções coletivas e aprovadas em assembleias”, diz.
Torres ressalta que o sindicato que não fizer acordos e se movimentar em defesa dos trabalhadores não merece ser chamado de sindicato. “Defendemos que a contribuição seja a recompensa pelo bom trabalho. Estamos sem o imposto desde 2017, era uma receita importante, mas sustentava algumas entidades que só existiam no papel.”
O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, reforça que alguns temas da reforma precisam ser pactuados, mas não há expectativa de retomar a contribuição obrigatória. “O financiamento pode ser resolvido por meio de assembleia. Se o trabalhador pode decidir pela diminuição do salário e adequar questões pontuais, por qual razão não poderia decidir se ele quer pagar e com quanto pretende contribuir?”
As centrais defendem que a homologação da rescisão de contrato, no entanto, volte a ter presença dos sindicatos, que também foi banida pela reforma e que agora poderia ser feita virtualmente. “Depois que deixou de ser obrigatório, muitos trabalhadores estão sendo prejudicados”, diz Torres.
Reforma e trabalho ganham destaque em programas dos candidatos
A mudança nas regras trabalhistas é tema dos programas dos principais candidatos à Presidência da República em 2022. Um ponto recorrente é a inclusão de direitos e aumento da segurança para trabalhadores de aplicativos.
O ex-presidente Lula abriu seu programa para discussão e recebimento de propostas. O texto divulgado fala de revisão —e não mais de revogação— da reforma, defendendo que isso deve ser fruto de uma ampla discussão entre representantes patronais e de trabalhadores.
Em um evento com sindicalistas em abril, Lula criticou a reforma de Temer e disse que nenhuma nova alteração seria feita na marra. “Vocês que me conhecem sabem que nós vamos criar uma mesa de negociação.”
No fim de agosto, ele voltou ao tema, em entrevista a uma rádio do Pará, e disse que era importante “fazer um acordo com empresários e sindicatos, não para voltar à legislação anterior, mas para criar condições para que mesmo os trabalhadores de aplicativos tenham descanso remunerado, férias e um seguro em caso de doença e acidentes”.
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (PL) costuma restringir sua posição à contraposição entre direitos trabalhistas e mais empregos, enquanto defende que irá trabalhar na redução da informalidade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta emplacar novamente o projeto da Carteira Verde e Amarela, que ele considera uma modalidade revolucionária de contratação.
Em pronunciamentos no mês passado, o ministro voltou a criticar o regime previdenciário e a CLT, chamando a consolidação trabalhista de “fascista” e afirmou que o projeto, que flexibiliza encargos trabalhistas e que já foi tentado pelo governo, será retomado em um eventual segundo mandato de Bolsonaro. Ele também promete ampliar a desoneração da folha de pagamento.
Durante um evento com um grupo de empresários no fim de agosto, o candidato pedetista, Ciro Gomes, disse que pretende “aposentar” a CLT e colocar no lugar um novo código do trabalho que seja mais moderno, sem retirar direitos.
“A velha CLT não compreende mais o mundo das tecnologias digitais, home office, teletrabalho, informalidade e aplicativos. Pode se aposentar. Porém, a ideia de que nós temos de desregulamentar o trabalho é um equívoco estratégico mortal”, disse.
Em um evento de campanha em Diadema (SP), a senadora Simone Tebet (MDB) disse que era necessário ajustar a legislação trabalhista, para incluir os trabalhadores por aplicativos, discutindo com eles as suas demandas mais urgentes. Ela também já falou em um seguro de renda para informais ou formais de baixa renda. Tebet, no entanto, disse não ver necessidade de fazer uma nova reforma.
Veja, a seguir, as principais alterações na reforma de 2017 e o que dizem os projetos dos candidatos.
> Relembre as principais mudanças da reforma de 2017:
- Negociações coletivas | As negociações coletivas podiam estabelecer termos divergentes da legislação, desde que favoráveis ao trabalhador. Com a reforma, acordos entre funcionário e empresa prevalecem sobre a lei
- Fim do imposto sindical | A reforma extinguiu a contribuição obrigatória, uma das principais fontes de renda dos sindicatos. O “imposto” deixou de compulsório e o recolhimento depende de autorização do trabalhador
- Trabalho intermitente | Uma das novidades foi a criação do trabalho intermitente, em que o funcionário recebe por hora e não há estabelecimento de jornada mínima, demanda sobretudo de bares e restaurantes
- Contratos temporários | O prazo para a contratação mudou: antes, era de 45 dias e havia a possibilidade de prorrogação por mais 45 dias; com a aprovação do texto, passou para 180 dias, prorrogáveis por mais 90
- Distrato de trabalho | Empregador e empregado passaram a poder rescindir o contrato profissional, sem ser necessária a participação de representante da Justiça do Trabalho ou do sindicato da categoria na homologação
- Ações trabalhistas | O trabalhador não pode faltar em audiências ou contestar termos de acordos entre sindicato e empresa. O Supremo reverteu regra da reforma que obrigava o trabalhador a arcar com custos advocatícios se perdesse na Justiça