A analista de mídias sociais, Luana Cianci, passou a infância e adolescência se sentindo deslocada dos colegas. Usava blusas com gola alta e mangas compridas, mesmo no calor do verão no Ceará, onde se mudou com a mãe e o padrasto aos 9 anos. Alta e magra, cobria os braços para esconder as lesões de uma condição que ainda compreendia pouco.
O pai, que era farmacêutico, ajudou em uma consulta com uma dermatologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo, onde recebeu o diagnóstico de psoríase. Na época, ele lhe entregou uma pasta com documentos explicando a condição, mas ela não deu muita bola.
Após passar por um período de difícil aceitação, aos 15 anos, teve uma nova crise com lesões. Sentia-se sozinha, e não conseguia se encaixar em grupos de amigos. Aos 17, tentou tirar a própria vida. “Ali, eu renasci. Fiquei uma semana internada no hospital e decidi: ou eu me aceito, e aceito minha própria pele, ou isso não vai dar certo”, conta.
Agora, aos 28 anos, participa com orgulho de sua 7ª campanha para o Dia Mundial da Psoríase, neste domingo (29). Apesar de Luana já ser considerada paciente em remissão, o estigma associado aos sintomas ainda leva muitos a atrasarem o diagnóstico.
A psoríase é uma doença sistêmica, inflamatória, crônica e autoimune, que causa placas avermelhadas espessas na pele, cobertas por escamas esbranquiçadas ou prateadas. Ela acomete de 1 a 2% dos brasileiros, ou cerca de 5 milhões de pessoas, de acordo com a associação Psoríase Brasil. Não há diferença da prevalência entre homens e mulheres.
A compreensão mais recente é que ela tem um componente genético, que pode ser hereditário, mas também é desencadeada por fatores ambientais. Em geral, a doença tem dois picos, um no início da adolescência e outro entre 40 e 50 anos, explica a dermatologista Aline Bressan, mestre em ciências médicas pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e membro da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
“O que vem muito para o consultório são pacientes que desistiram porque foram orientados que é uma doença de fundo emocional, que a culpa é dela. Não é assim. O estresse, a ansiedade, são fatores agravantes, assim como obesidade, tabagismo, e a própria psoríase também pode ser um fator de risco para doenças cardiovasculares e hipertensão”, afirma.
A doença não é contagiosa, mas muitos pacientes sofrem com preconceito e discriminação da sociedade. “Eles relatam que sempre tem alguém que troca de lugar na sala ou no ônibus para não sentar ao lado. Tem um desconhecimento na população sobre a psoríase. No trabalho, podem ser chamados a atenção ao usar um uniforme ou roupa preta, já que as escamações, principalmente do couro cabelo, se parecem com uma caspa grossa, então é uma situação delicada”, diz.
Na psoríase, devido a uma resposta imune exagerada da própria pele, células da derme se acumulam e descamam, podendo causar inflamações e até sangramentos. Em geral, as lesões são localizadas no couro cabeludo, joelhos e cotovelos, e pode também aparecer nas unhas e outras regiões, como axilas.
Segundo Marcelo Pinheiro, reumatologista e membro da Comissão de Espondiloartrites da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia,) cerca de 30% dos casos de psoríase são graves e podem evoluir para a chamada artrite psoriásica (quando acomete as articulações), psoríase pustulosa e outras, além de ser também fator de risco para outras condições, como obesidade e síndrome metabólica.
“Não chamamos mais de artrite psoriásica, porque entendemos a doença como um todo. Os sintomas dos pacientes são bem complexos, eles têm desde queixas de dores nas costas até ganho de peso, alterações no tubo digestivo, mudanças de humor, tudo isso relacionado à inflamação do organismo [da psoríase]. Por isso, é fundamental uma abordagem multidisciplinar do tratamento”, afirma.
É por essa razão que muitos dos pacientes com doença psoriásica também têm alto grau de depressão e saúde mental prejudicada, explica o médico. “Eles têm risco elevado para depressão, ansiedade e AVCs [acidentes vascular cerebral]. E os fatores como tabagismo e consumo de ultraprocessados pioram a condição psoriásica.”
Mudança de dieta, reduzindo o consumo de alimentos altamente inflamatórios, como carboidratos, açúcar e ultraprocessados, é uma das formas de auxiliar no tratamento. A prática de atividade física e a exposição ao sol também contribuem.
“Se você fizer uma bariátrica, reduz em duas a três vezes o risco da psoríase evoluir também para a forma grave. Então é preciso compreender as necessidades fisiológicas do paciente, qual o nível de acometimento dos demais órgãos”, afirma.
Tudo isso, é claro, tem um alto componente psicológico, segundo a dermatologista Bressan. Por isso, não é algo tão simples quanto dizer “a psoríase é desencadeada por fatores emocionais”.
“Compreendemos que não é fácil fazer essa mudança, esse hábito de vida. Todo paciente psoriásico sabe que, quando está nervoso, pode ter uma nova crise. É importante também manter a parte da manifestação na pele sob controle, com hidratação e o uso dos medicamentos tópicos, para não evoluir para forma grave”, pontua.
Hoje, há medicamentos que conseguem fazer um bloqueio na transição da fase leve, que é manifestada principalmente na pele, para a fase grave. “Temos acesso tanto no SUS [Sistema Único de Saúde] quanto na rede conveniada de planos de saúde os medicamentos conhecidos como imunobiológicos, que são terapias avançadas”, diz Pinheiro. “E, claro, ter um dermatologista, um reumatologista, um nutricionista, um cardiologista, todos os especialistas atendendo aquele paciente, é também fundamental.”
No caso de Cianci, seus exames, consultas e medicamentos são todos feitos por uma equipe multidisciplinar no SUS.
“Eu tenho hoje uma vida igual a de pessoas sem psoríase, faço tudo normal. Tenho sorte também de ser alguém que leva informação sobre psoríase, não só pelas campanhas, mas no meu trabalho. Então, lá atrás, aquela Luana que não falava com ninguém, cabisbaixa, roupa totalmente fechada, que só via a piora da minha pele, ela não existe mais”, completa.