Começa nesta semana o treinamento da equipe envolvida naquele que pode se tornar o primeiro teste clínico controlado randomizado duplo cego com psilocibina para depressão no Brasil. Será na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em parceria com a empresa Dotpharma.
Se tudo der certo, o recrutamento de pacientes em Foz do Iguaçu (PR) começará em janeiro ou fevereiro, e as sessões de tratamento, em março. Para isso, a substância psicodélica em teste precisa chegar em novembro, como previsto no processo de importação do Canadá (a empresa não revela o fornecedor).
À frente da pesquisa estará o grupo de Francisney Nascimento na Unila. O laboratório de neurofarmacologia clínica já trabalha com cânabis e, na área psicodélica, investigou benefícios da ayahuasca para luto prolongado.
O estudo, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da universidade, usará psilocibina sintética, e não cogumelos Psilocybe cubensis secos.
O laboratório da Unila já colabora com uma empresa-irmã da Dotpharma, a Aura Pharma, de Curitiba, que tem no mercado formulações de canabidiol e extratos de cânabis. Ela pertence aos irmãos Leandro e Guilherme Jabur, que estão injetando cerca de R$ 500 mil no ensaio clínico com psilocibina.
“Investimos nesse estudo para lançar um produto que venha ajudar a população”, diz Leandro, referindo-se a estimados 12 milhões de brasileiros com depressão. A pesquisa com psicoterapia assistida por psilocibina contra esse transtorno está adiantada nos EUA e na Europa, com dois grupos concorrentes, a empresa Compass Pathways e o Instituto Usona.
O orçamento da universidade para o experimento é de R$ 650 mil. Tal valor corresponde principalmente aos recursos humanos envolvidos.
O plano da Unila é arrolar 45 a 50 pacientes com depressão refratária, quer dizer, resistente a tratamento. São pessoas que já tomaram pelo menos dois tipos de antidepressivos e não tiveram bom resultado.
Elas serão divididas em dois grupos, um de tratamento e outro de controle. Ambos receberão cinco sessões de psicoterapia: duas de preparação para a experiência psicodélica; uma de dosagem, na presença de médico e enfermeiro; e mais duas de integração, para analisar e fazer sentido do que o paciente viveu sob efeito da psilocibina.
A diferença entre os grupos será a dose. No primeiro caso, 25 miligramas do composto modificador da consciência. No segundo, apenas 1 miligrama (quantidade insuficiente para desencadear uma verdadeira “viagem”).
O desenho experimental, em que o placebo vai substituído por dose subclínica, tenta contornar limitação recorrente em ensaios controlados com psicodélicos: o efeito subjetivo da substância, ou sua ausência, são quase sempre percebidos pelo participante e pelos pesquisadores, o que pode influenciar resultados.
Se estes forem positivos, com claro benefício para os pacientes do primeiro contingente, medido por questionários psicométricos padronizados, a psilocbina será então oferecida em dose cheia também para os voluntários que tenham caído no grupo de controle. “É uma questão de ética”, diz Nascimento.
O medicamento importado na forma de IFA (insumo farmacêutico ativo) será fracionado e encapsulado pela Dotpharma. A empresa conta com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para preparar o lote experimental.
Outros grupos brasileiros também pesquisam psilocibina ou planejam fazê-lo. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), está em curso estudo não controlado com cogumelos para tratar 15 tabagistas que desejam interromper o uso do cigarro. A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a empresa Scirama preparam estudo sobre depressão comparando psilocibina com outra droga.
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AVISO AOS NAVEGANTES PSICONAUTAS – Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem “Cogumelos Livres” na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.
Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.
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