O show, contudo, passou longe da admiração pelo próprio umbigo. O palco econômico, sem espetáculos pirotécnicos ou telões onipresentes, privilegia a música. A abertura com “All I Really Want” já mostrou que a potência vocal e o timbre personalíssimo continuam os mesmos. Quando Alanis executa em seguida “Hand in my Pocket”, a plateia já está em sua mão.
Foi uma troca bonita de se ver. Morissette, acompanhada por uma banda de veteranos notáveis, mostrava-se visivelmente emocionada e esfuziante, o largo sorriso acompanhando as breves interjeições entre as canções. A homenagem ao amigo Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters morto em 2022, foi tocante. O público, em resposta, empolgou-se até com músicas menos festejadas, como “Numb”, do álbum “Havoc and Bright Lights”, e “Ablaze”, do recente “Such Pretty Forks on the Road”.
O filé, contudo, veio mesmo do aniversariante. “Jagged Little Pill” entrou de ponta a ponta, festejado das faixas menos conhecidas (“Perfect”, “Not the Doctor”) aos megahits (“You Learn”, “Head Over Feet”). Aos 49 anos, Alanis Morissette canta sobre a alma e a condição de ser mulher com a mesma convicção de um quarto de século atrás. É feminista e crua, é visceral e melancólica. Batendo cabeça e rodopiando até cair, é rock and roll desde sempre.
Foi esse tom confessional que não só conquistou o público tantos anos atrás, como pavimentou também o caminho para as divas pop da novíssima geração. A diferença fundamental é que, ao contrário das emoções testadas por uma fileira de marqueteiros que algumas moças hoje transformam em espetáculo, Alanis sente profundamente cada palavra que entoa. Não é teatro. É emoção genuína traduzida em música.
Ao longo de sua carreira, Alanis Morissette passou de revelação pop em alta rotação a artista em total controle de sua carreira. Saiu da sombra da indústria musical em Los Angeles e, mãe, voltou a seu Canadá natal. Gravou um álbum de música ambiente e regravou John Lennon. Em São Paulo, mostrou que o amadurecimento não sepultou sua rebeldia juvenil.
Uma versão avassaladora de “Uninvited”, gravada para a trilha do dramalhão “Cidade dos Anjos”, antecedeu a despedida com “Thank U”, que surgiu embalada por mensagens de agradecimento publicadas no X-ex-Twitter. A cantora ergueu as mãos e, emocionada, encerrou a noite. Dona Alanis, quem tem de agradecer somos nós!