Com as novas chuvas que começaram na última sexta (24) em Porto Alegre, o risco à população de ficar enchentes afetando o acesso à água e contaminação de bactérias ainda não passou.
O chefe da equipe de vigilância de saúde ambiental e água de Porto Alegre, Alex Lamas, afirma que o uso de água não-potável como de bicas, ou mesmo coletada da chuva, pode acarretar em contaminação por bactérias, vírus e protozoários.
Por outro lado, moradores têm tido dificuldade em encontrar locais para obter o insumo.
Na rua dos Andradas, conhecida popularmente como rua da Praia, um dos logradouros mais antigos da cidade, moradores estão há 23 dias sem eletricidade e abastecimento de água, já que não há energia para bombear o líquido até as caixas d’água.
A comerciante Sonaly Silvestrini mora no nono andar de um edifício na Rua da Praia. Está sem luz desde o dia 1º de maio. A caixa d’água do prédio ficou vazia no dia 3. Desde então, ela enche galões de água descendo 169 degraus —em 20 dias já conseguiu estabelecer a contagem precisa.
Com 57 anos e sofrendo de fibromialgia, Silvestrini nem sempre consegue fazer este périplo, assim como o marido, que tem 69 anos. Eles contam com a solidariedade da vizinhança, que traz água até a frente do prédio. A comerciante, então, joga uma corda para içar os galões.
Há cerca de cinco dias, o abastecimento de água foi normalizado e a água chegou nas torneiras do térreo do prédio, mas precisaria de eletricidade para subir até o nono andar.
Das 45 famílias que vivem no edifício, apenas três permaneceram o tempo todo nos últimos 23 dias no imóvel. Proprietária de um brechó do outro lado da rua, ela conta que o estabelecimento foi o motivo para não querer deixar a casa: “Nossa fonte de renda é a loja. A gente todo dia tem esperança de voltar a trabalhar. Eu não tenho o que fazer, eu tenho que lutar. Mas a gente está no limite”, disse Silvestrini.
No mesmo quarteirão, o escritor Antonio Padeiro mora com o cachorro Chico no segundo andar de um sobrado, e também está sem abastecimento de luz e água desde o dia 1º.
Padeiro ficou alguns dias ilhado, com medo de se contaminar nas águas que inundaram a rua da Praia. Até que começou a sair pelos fundos e pular a cerca de um estacionamento que dá para uma rua mais alta. Atualmente, a rua já está seca e é possível sair e entrar pela porta da frente.
“Tem muita gente que está fazendo ação social, uns trazem água, marmitas. Eu não tinha onde comprar, não aceitavam cartão de crédito, pix”, disse Padeiro.
O escritor diz que o breu da região é perturbador. “Tem muito idoso aqui. E não é nem que eles se recusaram a sair de casa, eles não tinham quem tirasse. As pessoas levavam coisas para eles, tinha uma senhora que jogava uma corda e as pessoas botavam marmita.”
Sem torneiras no térreo do sobrado, ele segue não tendo acesso à água, que não tem força para subir até o segundo andar. Ainda assim, Padeiro mantém o bom humor. “Estou achando o máximo tomar banho de água mineral”, ironiza.
Segundo Lamas, da prefeitura, alguns dos sintomas que podem aparecer se houver contato com águas contaminas são irritação na pele e ocular, gastroenterite e vômitos. “Essa água pode ser utilizada para o vaso sanitário ou para regar plantas, mas para o uso nobre, como a ingestão e preparação de alimentos, deve ser utilizada a água tratada, da rede, ou engarrafada”, disse.
Outro cuidado em relação à água é o contato com áreas inundadas, onde a chuva se mistura com esgoto. A doença mais comum nestes casos é a leptospirose.
“A gente recomenda o uso de equipamentos como luvas e botas no contato com essas águas. O contato da água com alguma ferida ou apenas o contato prolongado com a pele aumentam as chances de ter a doença”, explica Lamas.
Se sintomas como febre alta e dores na panturrilha aparecerem, a pessoa deve procurar a rede de saúde. Porto Alegre tem um óbito por leptospirose confirmado desde o início das inundações e em todo o Rio Grande do Sul são quatro mortes.
Outro problema enfrentado tem sido quando vai voltar a eletricidade.
A CEEE Equatorial, responsável pelo fornecimento de eletricidade na capital gaúcha, afirma que em função dos alagamentos na cidade, os desligamentos por segurança são passíveis de ocorrer.
“A CEEE Equatorial está ativamente presente nos Comitês de Crise do Estado e do Município de Porto Alegre, operando 24 horas por dia com o objetivo de alinhar ações conjuntas para minimizar riscos e restabelecer a energia elétrica dos gaúchos com a máxima agilidade e segurança”, diz.
Canoas
Moradora de uma região de Canoas não atingida pelas inundações, a empresária Vanerise Chaves Ferreira conta que o abastecimento de água começou a sofrer interrupções já no dia 2 de maio.
Alguns dias depois a Corsan —empresa de abastecimento que atende Canoas e outras 316 cidades gaúchas— instituiu um rodízio. “Tinha água por um dia e faltava em três. E a água não chegava a subir para a caixa d’água”, conta.
Com filho pequeno, Ferreira e o companheiro se viravam como podiam. Ferviam água da piscina do condomínio para lavar louça e para cozinhar utilizavam água mineral, produto que também chegou a ser difícil de encontrar. “Chegamos a comprar bombonas em Tramandaí (cerca de 120 km de Canoas)”, relata a empresária.
Proprietária de uma pizzaria, que também sofreu com os mesmos problemas, ela tentou ajudar como pôde os desabrigados. “Tentamos preparar alimentos como massa e arroz, mas ficamos impossibilitados. Optamos, então, pelos sanduíches.”
A mãe de Vanerise, moradora do bairro Igara, também em Canoas, chegou a ficar os últimos quatro dias sem água.
Na manhã da última quinta-feira (23), a água voltou com mais força, chegando a preencher as caixas d’água, tanto na casa da empresária quanto de sua mãe. “Mas a síndica do meu condomínio informou para seguirmos racionando, pois não temos certeza se a água voltou em definitivo.”
A Corsan afirma que “recuperou a operação da totalidade dos 67 sistemas severamente danificados pelas cheias no interior e na região metropolitana”. A última estação de tratamento a ter o serviço restabelecido foi justamente em Canoas, a ETA Rio Branco, o que ocorreu na terça-feira (21).
O abastecimento, contudo, ainda pode não ter chegado a todas as residências. “A água produzida já está sendo levada aos reservatórios e chegará gradativamente às residências durante os próximos dias.”