As negociações entre os países-membros da OMS (Organização Mundial da Saúde) para elaborar um tratado sobre a prevenção e o combate a pandemias terminaram nesta sexta-feira (24) sem consenso, após dois anos de esforços.
“Visto que fizeram todo o possível, não se deve lamentar”, declarou o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, considerando que “isto não é um fracasso” e que é preciso seguir adiante porque “o mundo continua precisando de um tratado sobre as pandemias”.
“O que importa agora é saber o que aprendemos com essa experiência e como podemos reiniciar as coisas, recalibrá-las e identificar os principais desafios e seguir adiante”, insistiu em declarações aos representantes dos países.
As conversações foram estendidas várias vezes, sem sucesso. O copresidente do grupo responsável, o INB (Intergovernmental Negotiating Body), Roland Driece, as descreveu como uma “montanha russa”. “Não chegamos aonde esperávamos”, afirmou.
“Não é o fim”, acrescentou a também presidente, Precious Matsoso, ressaltando que os ministros que lançaram o processo vão decidir o que fazer com os progressos alcançados.
O INB terá que informar sobre a falta de acordo diante da Assembleia Mundial da Saúde, o órgão máximo da OMS do qual fazem parte 194 países, que se reunirá em Genebra de 27 de maio a 1º de junho.
“Esperamos, sinceramente, que a Assembleia Mundial da Saúde tome as decisões adequadas para fazer esse processo avançar e que cheguemos a um acordo sobre a pandemia, porque precisamos dele”, enfatizou Driece.
“Isto é claramente uma pausa. A maioria dos Estados-membros quer continuar e consolidar o que se conseguiu”, declarou à AFP, sob condição de anonimato, um diplomata asiático que participa das negociações.
A embaixadora dos Estados Unidos, Pamela Hamamoto, por sua vez, mostrou-se “satisfeita” de ter um projeto de texto “que reflete o trabalho realizado juntos”.
– ‘Ambicioso demais’ –
A importância da prevenção e do combate às pandemias ficou evidente após a catástrofe humana e econômica provocada pela covid-19, que demonstrou falta de preparação, coordenação e solidariedade.
Há mais de dois anos, um grupo de países tenta elaborar um quadro geral de resposta para esse tipo de situação e, apesar dos avanços nas últimas semanas, ainda existem obstáculos difíceis de superar.
O principal é a criação de um sistema multilateral dirigido pela OMS para acessar os patógenos com potencial pandêmico detectados em diferentes países e os produtos que servem para combatê-los.
Os países em desenvolvimento relutam a compartilhar informações sobre seus agentes patógenos sem garantias de ter acesso a vacinas e outros produtos de saúde. O financiamento desse plano, em especial para os países de menor renda, é outro ponto delicado, assim como a distribuição equitativa de testes de detecção, tratamentos e vacinas, além dos meios para produzi-los.
“O melhor é ter um bom texto inclusivo. Mais cedo ou mais tarde, não importa. Queremos realmente esse acordo”, disse um negociador africano.
A AFP teve acesso ontem a uma versão preliminar do acordo, na qual muitas partes do texto já haviam sido aprovadas pelas diferentes delegações, embora ainda houvesse arestas para aparar.
Ellen ‘t Hoen, advogada da ONG Medicines Law & Policy, lamentou que o debate sobre o texto não tenha começado até o fim das discussões, e sugeriu que querer elaborar o tratado em apenas dois anos “pode ter sido ambicioso demais”.
Após o anúncio do fim das negociações, muitos países manifestaram sua vontade de continuar. A Etiópia ressaltou que os países africanos “se mantêm firmemente comprometidos”, e a União Europeia reiterou sua “total determinação” a concluir os trabalhos.
A Indonésia, por sua vez, manifestou que “deve-se continuar até que isto esteja concluído”, e Bangladesh apostou em seguir as negociações até obter “um resultado positivo que sirva à humanidade”.