O uso de Cannabis na gestação pode oferecer riscos à saúde materna. É o que diz uma pesquisa publicada no último mês no periódico científico Jama Internal Medicine, que analisou dados de 316.722 mulheres do norte da Califórnia.
O estudo verificou que o consumo da planta e seus derivados na gravidez está associado a uma maior incidência de hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, descolamento prematuro da placenta e ganho de peso maior ou menor do que as diretrizes previstas para o período. Por outro lado, a mesma pesquisa verificou uma associação entre o uso e um menor risco de diabetes gestacional.
Segundo o artigo, o consumo de Cannabis na gestação vem aumentando nos Estados Unidos. Mulheres que a utilizam para melhorar o sono, controlar depressão, estresse, enjoos matinais ou dores na gravidez, afirmam considerá-la mais segura do que medicamentos prescritos. O problema é que ainda não há evidências de que a planta ofereça segurança nem ao feto, nem à gestante, e essa foi uma das motivações que levaram os pesquisadores a se voltarem para a questão.
Pesquisas recentes associaram o consumo pré-natal de Cannabis ao parto prematuro (antes de 37 semanas), baixo peso ao nascer e maior taxa de admissão de recém-nascidos na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) neonatal, diz o ginecologista e obstetra Felipe Takayuki Ida Nakatani, professor da Universidade Positivo, em Curitiba. Mas ainda não havia uma análise robusta sobre o efeito da maconha na saúde da gestante, e esse estudo retrospectivo (que analisa dados populacionais em retrospecto) se propõe a ajudar a desvendar a incógnita.
Embora avalie uma população grande, a pesquisa tem limitações que o próprio artigo menciona, diz a ginecologista e obstetra Silvana Chedid, especialista em reprodução humana do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Uma delas é o fato de o estudo não diferenciar a forma e a apresentação da Cannabis consumida pelas mulheres analisadas —desconsiderando, por exemplo, se o uso foi oral ou inalado, bem como as concentrações de THC (tetra-hidrocanabinol) e CBD (canabidiol), compostos químicos encontrados na planta.
Além disso, ele não é suficiente para estabelecer o nexo causal entre o uso da substância e os eventuais riscos ou benefícios advindos dela, diz o farmacêutico e bioquímico Paulo Mattos, Coordenador de Garantia da Qualidade do Núcleo de Bioanálises da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Um dos desafios desse mapeamento esbarra em aspectos éticos, diz o farmacêutico André Bacchi, professor da UFR (Universidade Federal de Rondonópolis). “Se existe a suspeita de que a Cannabis faz mal às gestantes, eu não posso submetê-las a testes com a substância em nome da ciência, porque minha pesquisa não pode causar dano a ninguém. Isso torna a questão mais difícil de ser encerrada”, argumenta.
Nesse sentido, os resultados do estudo apenas reforçam os protocolos clínicos recomendados por órgãos de saúde como o Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras, que orienta mulheres a evitarem Cannabis no período gestacional até que se conheça mais sobre os mecanismos da droga nessa fase.
Segundo Bacci, estudos associados à maconha e seus derivados ainda são recentes devido ao contexto de tabus e proibições que sempre envolveram a substância. “Por isso, na dúvida, o melhor é evitá-la em gestantes, como ocorre com a cafeína”, diz. O professor da UFR lembra do caso da talidomida, medicamento que causou milhares de problemas congênitos na segunda metade do século passado ao ser amplamente prescrito sem que se conhecesse seus efeitos colaterais na gravidez.
“Casos como esses só nos lembram que a precaução é o caminho mais adequado até que estejamos certos dos riscos e benefícios de uma droga. Não podemos administrar nenhuma substância de modo leviano em gestantes”, finaliza.
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