Um dos maiores problemas é que o tratado permite a cooperação transfronteiriça para uma vasta gama de crimes sem protecções rigorosas dos direitos humanos, o que poderia transformá-lo num instrumento de repressão e não numa defesa contra o cibercrime (…) Em vez de ser um instrumento de Justiça, corre o risco de se transformar numa arma de repressão, e isso é algo que deveria preocupar todos.
Katitza Rodrigues, diretora de direitos internacionais da EFF (Electronic Frontier Foundation)
Ela dá dois exemplos (para quem quiser acompanhar, o documento é este aqui):
- Artigos 6º e 40º: deveriam impedir a cooperação em casos que visam criminalizar a dissidência política ou perseguir pessoas LGBTQ+, mas não possuem medidas que garantem o alinhamento com normas internacionais de direitos humanos. “Na prática, o tratado poderá ser utilizado por países para justificar abusos contra os direitos humanos, minando os mesmos princípios que pretende proteger”, diz ela.
- Artigo 47º: exige cooperação estreita entre órgãos que aplicam a lei de dois países que estejam colaborando, em particular no intercâmbio de “elementos ou dados necessários para fins analíticos ou de investigação”. Por ser vago, não estabelece ligação clara com investigações ou procedimentos criminais específicos.
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Não é bem assim, mas está quase lá
E, se você achou ruim, saiba que poderia -ou ainda pode- ser pior. Na reta final das negociações, o Irã engatou a quinta marcha do retrocesso:
- Liderou um movimento para tirar salvaguardas a direitos humanos.
- Chegou a propor a exclusão de países poderem negar pedidos por dados pessoais que pudessem ser usados em perseguições com base em opiniões políticas, raça, etnia e outros fatores. Foi apoiado por outros 25 países, como Índia, Cuba, China, Belarus, Nicarágua, Nigéria, Rússia e Venezuela.
- Encampou ainda a defesa de uma criminalização mais ampla no ambiente digital, que poderia incluir incitação a violência e dessacralização de valores religiosos. Com ele, estavam Rússia, China, Nigéria, Egito, Irã e Paquistão. Por outro lado, União Europeia, EUA e Costa Rica advogaram para o tratado focar em ações estritamente ligadas ao mundo cibernético, como ataques a redes de computadores e abuso sexual infantil online.
Ainda assim, o grupo do Irã conseguiu uma vitória. Elaboraram um protocolo para o tratado contemplar mais crimes, mesmo depois de ele já ter entrado em vigor. A mecânica será a seguinte. Para passar a valer, a convenção precisa ser ratificada pelos congressos nacionais de ao menos 40 estados-membro da ONU. Esse protocolo aí precisaria de 60 ratificações. Até setembro, ainda há jogo. Não acabará aí. Muito menos da próxima vez que um figurão culpar o hacker por uma barbeiragem autoinflingida.