Atividades físicas são frequentemente anunciadas como um remédio milagroso para quase todas as partes do corpo, seja cérebro, coração, assoalho pélvico ou até mesmo os pulmões. Mas e para o aparelho digestivo?
Embora corrida não seja a atividade que pareça mais confortável para quem sofre com um intestino sensível, o exercício é importante no tratamento de muitas doenças intestinais, particularmente a síndrome do intestino irritável. Na verdade, a falta de movimento, talvez por causa de uma lesão, pode até ser o gatilho inicial para doença.
“O exercício faz parte do gerenciamento do estilo de vida, que é o tratamento de primeira linha para qualquer paciente com a síndrome ou outros problemas intestinais”, explica Anthony Lembo, diretor de pesquisa do Instituto de Doenças Digestivas da Cleveland Clinic.
A síndrome do intestino irritável é causada por uma falha de comunicação entre o cérebro e o intestino, o que leva à dor e ao inchaço durante o processo normal de digestão. Para algumas pessoas, ela causa principalmente constipação, enquanto outras sofrem principalmente de diarreia ou uma combinação dos dois.
O sistema digestivo tem uma rede complexa de neurônios —às vezes chamada de “segundo cérebro”— que controla o fluxo sanguíneo, as secreções e centenas de funções intestinais por meio do nervo vago, que conecta o cérebro aos órgãos do corpo. Como tal, o cérebro tem uma influência descomunal no trato digestivo e vice-versa.
“O cérebro e o intestino nem sempre se comunicam de uma forma adequada para a saúde”, afirma Maitreyi Kothandaraman, gastroenterologista da Universidade de Calgary. Os benefícios do exercício para a saúde mental, acrescenta, “podem restaurar a conexão entre o cérebro e o intestino e impactar a síndrome”.
Especialistas também descobriram que o exercício melhora a microbiota intestinal, ajudando na proliferação de bactérias benéficas. Por exemplo, foi demonstrado que se exercitar por duas horas e meia recomendadas por semana estimula o crescimento de dezenas de bactérias saudáveis que protegem a parede intestinal, diminuem a inflamação e decompõem os alimentos.
O melhor uso do exercício para síndrome do intestino irritável, diz Kothandaraman, é provavelmente na prevenção da condição, em vez de seu tratamento. Um estudo de fevereiro descobriu que a atividade vigorosa regular estava associada a menos desenvolvimento de problemas intestinais.
Mas para quem já sofre com a síndrome, o movimento regular ainda pode fazer a diferença, especialmente se a pessoa não se exercitar regularmente. Kothandaraman considera o exercício a terceira prioridade no tratamento, depois de ajustar a dieta e abordar problemas de saúde mental subjacentes, mas antes de recorrer a medicamentos.
Especialistas dizem que o exercício tem mais probabilidade de ser útil para pacientes que sofrem de constipação pela doença do que para aqueles que sofrem de diarreia com mais frequência. Simplificando, movimento gera movimento.
No entanto, um estudo recente na Itália sugeriu que pacientes com ambas as formas podem se beneficiar, segundo Andrea Costantino, gastroenterologista do Policlínico de Milão e líder do projeto, que ainda não foi publicado.
O importante é ser paciente. Pensar no exercício como um medicamento que pode levar algumas semanas para mostrar algum benefício.
“Não espere que depois da primeira caminhada ou corrida você simplesmente deixe de sentir seu intestino'”, afirma.
E a forma mais simples para o paciente, de fato, melhorar é encontrando exercícios que o façam se sentir bem e que sejam feitos com constância.
A maioria dos especialistas sugere começar com exercícios leves e calmos, como caminhada, ioga e tai chi. A síndrome do intestino irritável é mais sensível ao estresse do que qualquer outra doença do trato digestivo, diz David Levinthal, especialista em conexão cérebro-intestino do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.
“Repetidamente, exercícios que focam nos músculos centrais —ioga, pilates— têm um efeito calmante”, explica.
Embora a maioria dos especialistas tenha dito que havia pouca evidência de que maior intensidade era melhor, Costantino afirma que exercícios moderados, como corrida ou outras atividades que deixam o paciente sem fôlego podem oferecer benefícios adicionais. Mas para quem é novo nos exercícios, é preciso começar devagar —ele sugeriu duas ou três sessões de 20 minutos por semana— antes de tentar mais.
É importante encontrar uma atividade que não seja proibitivamente dolorosa. Se, após o início das atividades, o paciente conseguir controlar o desconforto intestinal por algumas semanas, diz Costantino, vale a pena se esforçar, pelo menos até saber se está ajudando. Mas se a dor se tornar forte demais para continuar, é melhor se concentrar em outros caminhos de controle, como dieta ou medicamentos.
Os especialistas concordaram que algumas formas de exercício intenso, como corrida de longa distância (que pode afetar a digestão), podem agravar os sintomas.
Em vez de se concentrar em quão duro é o exercício, a consistência e tolerância das atividades podem ser mais proveitosas para o paciente.
“Ter um abdômen definido não significa necessariamente um melhor funcionamento de todo o resto que está ali”, completa Kothandaraman.