Nunca se falou no Brasil tanto em Deus, pátria e família. O festival de idolatria política e fanatismo religioso que assola o cotidiano nacional permite um inusitado vislumbre sobre o futuro primitivo da nação. O Brasil progride da condição de país do jeitinho para a posição de país que não tem jeito. Nele, o presidente sessentão diz que “pintou um clima” com meninas venezuelanas de 14 anos. Seus partidários chamam a evangélica Marina Silva de “vagabunda”. O aliado Roberto Jefferson gruda na figura monástica da ministra do Supremo Cármen Lúcia a pecha de “prostituta”.
É como se de repente os brasileiros caíssem nos anos 30 do século passado. Metade da nação tenta degolar a outra metade a fim de estabelecer se a sociedade deve ou não praticar barbaridades em nome de Deus, a serviço da pátria e em defesa da família. Seria reconfortante saber o que pensam a cristã Michelle Bolsonaro, a pastora Damares Alves e os líderes do centrão evangélico sobre o insulto dos devotos do mito a Marina Silva. Afinal, trata-se de uma “irmã em Cristo”.
Seria instrutivo ouvir uma reação qualquer da turma do púlpito sobre a abjeção de Roberto Jefferson. O dono do PTB (Partido Terrivelmente Bolsonarista) despejou o esterco que carrega na alma sobre reputação de Cármen Lúcia. “Lembra mesmo aquelas prostitutas, aquelas vagabundas, arrombadas”, ele rosnou. “Aí que viram para o cara diz: ‘E, benzinho, no rabinho, nunca dei o rabinho. É a primeira vez’. Ela fez pela primeira vez, ela abriu mão da inconstitucionalidade pela primeira vez. Ela diz assim: ‘É inconstitucional, censura prévia é contra a súmula do Supremo, mas é só dessa vez benzinho’…”
É preciso muita ingenuidade para esperar alguma reprimenda de Michelle, sobretudo depois que madame tomou as dores do marido no caso em que ele injuriou adolescentes venezuelanas. De Damares Alves não se pode esperar senão verdades pastosas e desculpas desdentadas. Quanto aos pastores bolsonaristas, eles estão ocupados demais para perder tempo com a decência. Que diabos! Precisam cuidar dos negócios espirituais, vertendo o comércio de almas em moeda sonante.
Terceira mulher de Bolsonaro, Michelle pede votos para o presidente em cultos e eventos religiosos. Ao lado de Damares, dirige seus apelos especialmente às mulheres. “Perdão pelos palavrões do meu marido, eu também não concordo, mas ele é assim”. Passou a soar como se fosse ela a candidata ao trono: “Não olhe para meu marido, olhe para mim que sou uma serva do senhor”, disse durante um culto que celebrou o aniversário de 63 anos da pastora Elizete Malafaia, mulher do pastor Silas Malafaia, um dos principais expoentes do centrão evangélico.
Além de Damares, incorporou-se à caravana espiritual de Michelle, suprema ironia, o padre Kelmon. É aquele presidenciável fake do PTB, que Jefferson improvisou na disputa do primeiro turno apenas para servir de escada para Bolsonaro nos debates. Jefferson é aliado do governo —qualquer governo— desde a chegada das caravelas.
Jefferson relaciona-se com o erário como um Robin Hood para si mesmo. Tem a cara embochechada por anos de uisquinhos, licores, pudins e babaganuches. Tudo 100% financiado pelo déficit público. É como se gritasse para os quatro ventos: “Tiro dos pobres contribuintes para o rico aqui, que ninguém é de ferro”. Quanto o dono do PTB fala em prostituição, convém não contrariar. Não se deve discutir com especialistas.
Pintou um clima entre o bolsonarismo e o cafajestismo. Está cada vez mais difícil ouvir falar em Deus, pátria e família sem reprimir um sorriso interior. Sempre que alguém esbraveja a tríade predileta do fascismo, uma voz no fundo da consciência avisa: “Farsantes!” Tudo está impregnado de oportunismo e cálculo eleitoral. A aversão às mulheres e o estilo cafajeste faz com que Bolsonaro e os bolsonaristas mereçam o célebre epíteto do Evangelho: “Raça de vóboras.”