“O patrão não está e eu não tenho autorização para mandar vocês entrarem”, diz um funcionário. “Não se preocupe, não. Aqui não tem dengue”, afirma um morador. “Não tenho vaso de plantas”, alega outro.
Essas foram algumas das frases que os agentes de combate a endemias da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo ouviram pelos interfones das casas durante ação no bairro Cidade Jardim, na zona sul da capital paulista.
Nas visitas, os profissionais fazem orientação e eliminação de água parada em pneus, garrafas, calhas, lajes e demais locais que servem como focos do mosquito Aedes aegypti.
Na última quinta-feira (23), a Folha acompanhou parte do trabalho de uma equipe de agentes em Cidade Jardim, local em que o índice de recusa está em torno de 30%. A estimativa, extraoficial, foi feita pela Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde).
Durante a ação que a reportagem acompanhou, dos 15 imóveis abordados, em seis deles moradores ou funcionários recusaram atendimento. Em outros três, quem atendeu concordou com a vistoria. Nos demais, não havia ninguém em casa no momento ou o imóvel estava fechado.
“Esse trabalho é ótimo e deveria ser feito sempre. Principalmente nós, dessa região que é muito arborizada e tem muitas piscinas, deveríamos permitir que os agentes entrem e orientem. Orientação é o principal”, afirma o economista José Luiz, 71, um dos moradores que aceitaram a orientação.
Na opinião do infectologista David Uip, reitor do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC, a população precisa entender a importância do trabalho do agente e atendê-lo bem.
“O trabalho de campo é fundamental. Mas, antes dele, é preciso conscientizar a população. Ela tem que saber que será visitada por agentes sanitários que vão em busca de prevenção, e não de culpados”, afirma Uip.
“Em paralelo a isso, há a insegurança da população. As pessoas não querem abrir as portas quando não sabem se é um agente ou se há outro indivíduo ali”, completa.
Outro fator que Uip coloca é o descrédito da população em relação à possibilidade de a dengue ser grave.
Especialistas já alertam para a presença do sorotipo 3 da dengue no país após cerca de 15 anos desaparecido. Quem contraiu os tipos 1 e 2, poderá ter a forma grave da doença se pegar o 3.
“A dengue está mais incidente, mais prevalente, mais grave, com formas clínicas que nós não víamos antes. Antigamente, a forma grave era a hemorrágica. Hoje você tem a miocardite, um processo inflamatório do coração importante, e a encefalite por dengue. As pessoas morrem de dengue. Quando tem dengue, o que o médico faz? Tenta sustentar a vida. Você não tem o medicamento que vai lá e mata o vírus. O doente grave tem que ser internado na UTI e tratado”, diz Uip, que foi secretário estadual de Saúde de São Paulo e também de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde.
Nas residências onde foi possível entrar, os agentes encontraram vaso sanitário em desuso que estava com água parada e pratos usados sob vasos que tinham água acumulada.
O ideal é não deixar nenhum recipiente sob as plantas, mas se tiver que colocar, é necessário preencher com areia até a borda. Na região de Cidade Jardim é comum os agentes encontrarem situações inadequadas, em especial com bromélias —que também acumulam água— e piscinas.
Os agentes de endemias, Luciana Pacheco Lima, 44, e Rafael Carvalhais Régis, 40, atuam em Capela do Socorro, também na zona sul da capital. Na função há muitos anos, os dois relatam que a quantidade de recusas é a maior atualmente. E a culpa é da insegurança da população.
“A primeira barreira que precisamos quebrar é a da confiança do funcionário da casa que precisamos entrar para fazer a ação. Quando o dono está dificilmente deixa entrar. A população está receosa e nós precisamos que a mídia nos ajude”, afirma Lima.
“Uma vez, fui a uma casa e a proprietária não permitiu a entrada. Uma semana depois, o filho dela ficou doente, positivo para dengue. A senhora chorava muito, desesperada, porque havia proibido a nossa entrada uma semana antes. Hoje ela é uma colaboradora e abre a porta para os agentes entrarem”, conta Lima.
Luiz Arthur Caldeira, coordenador de Vigilância em Saúde do município, afirma que as recusas estão ligadas aos problemas de segurança, mas têm como motivo principal a baixa percepção de risco frente à dengue.
“Nós passamos por esse drama da Covid, uma doença grave, que acabou rebaixando na consciência e na percepção das pessoas o nível de gravidade de quase todas as outras doenças”, afirma Caldeira.
O profissional afirma que o aceite varia de acordo com a época. Em momentos de alta transmissão, os agentes de saúde enfrentam menos resistência para entrar nas casas.
“A percepção de risco muda quando você está em contato com a doença ou em épocas que não são de transmissão e a dengue não está perto de você. Então essa baixa percepção de risco, de prevenção, deixa as pessoas numa espécie de zona de conforto para não deixar os agentes entrarem nas casas”, completa.
Até 16 de novembro, a cidade de São Paulo registrou 12.814 casos de dengue, 9,9% maior do que o mesmo período de 2022 (11.658). Dez pessoas morreram em 2023 e duas no ano passado.
No distrito administrativo do Morumbi, onde está localizado o bairro de Cidade Jardim, a taxa de incidência é de 90,7. Em 2022, estava em 102,5 e em 2021, de 37,5.
O índice na capital paulista é de 106,7 por 100 mil habitantes, número usado para fazer o cálculo. Há três níveis de incidência: baixa (menos de 100 casos), média (de 100 a 300 casos) e alta (mais de 300 casos).
Como identificar uma equipe de agentes de combate a endemias
Em toda a cidade, são cerca de 2.200 agentes em atuação. Eles chegam em grupo, embarcados em carros oficiais da Prefeitura de São Paulo –minivans brancas adesivadas com logos da Secretaria da Saúde e do SUS (Sistema Único de Saúde). Usam sempre crachá de identificação e uniforme azul. Na calça e no colete está escrito Vigilância em Saúde.
Se houver dúvida, basta ligar 156 ou verificar no site da secretaria o telefone da unidade de vigilância em saúde mais próxima, ligar e confirmar se é a equipe que realiza a ação no local naquele momento.