Não adianta: sempre chega a hora em que um grande filme do passado começa a fazer falta, por paradoxal que soe. Eles pairam em alguma esfera desconhecida, acima das dezenas de lançamentos que o cinema despeja na indústria cultural ano após ano, até que a alguém ocorre a ideia — às vezes péssima — de resgatar uma produção que marcou época, sem atentar para a constatação um tanto óbvia de que o tal sucesso estrondoso de outros tempos pode não se repetir, para não tocar em questões ainda mais metafísicas, como a necessidade de se revirar os anos em busca de carne fresca. “Top Gun: Maverick” ganha vida cercado das melhores recomendações, e faz justiça a cada centavo dos 170 milhões de dólares captados no transcurso de mais de três anos de produção. Joseph Kosinski consegue a proeza de envolver talentos à frente e por detrás das câmeras, também nisso muito assemelhado ao longa de Tony Scott (1944-2012), lançado há quase quarenta anos.
Da forma que 1986, boa parte da aura mítica do filme de Kosinski deve-se, inegavelmente, a Tom Cruise. Pete Mitchell, uma espécie de Ethan Hunt sem glacê, é outra demonstração do talento versátil de seu intérprete, que foi se transformando numa das grifes mais sólidas e, por natural, lucrativas de Hollywood. Em “Maverick” o sessentão mais intrépido do cinema continua fazendo das suas, despencando do azul em máquinas cujo valor cobririam todo o orçamento e, em terra, seduzindo homens e mulheres, de um ou de outro jeito.
O roteiro de Jim Cash, Peter Craig e Jack Epps Jr. Introduz Mitchell, mais conhecido pelo cognome que batiza a sequência, espirituoso como na juventude, aceitando de novo o desafio de testar um dos F/A-18 da frota da Marinha americana, emprestado à equipe. Ele tem de alcançar o número mágico que determina o nível da pressão sobre a velocidade e, o principal, mantê-lo, uma façanha inédita até então, mesmo entre aviadores bem mais tarimbados. Ninguém duvidava que ele concluiria a primeira metade dessa missão impossível, mas quando tem de colocar de lado o gosto por testar-se a si mesmo e exceder-se, indo além do que seus superiores o autorizam, falha miseravelmente, por pouco não se esfacela, triturado pela rarefação atmosférica e destrói a aeronave. Seu castigo é voltar à escola de formação de novos pilotos de caça, a Top Gun, criada para atender o 1% dos aspirantes mais talentosos.
Antes da primeira aula, o diretor gasta bons quinze minutos nas cenas em que Maverick primeiro surge como um astronauta maldito num diner numa cidadezinha do centro-oeste dos Estados Unidos, e então invade um território ainda mais hostil, o bar onde os calouros aprontam suas fanfarronices e gabam-se uns sobre os outros, exercitando toda a leviandade que a vida militar abomina. Ele reconhece Penny Benjamin, a dona do estabelecimento vivida por Jennifer Connelly, graciosa como sempre, e a exemplo do que se vê já no primeiro filme, as mulheres têm papel de destaque na trama.
Quando já investido do posto de novo mestre da Top Gun, o enredo acessa pontos remotos da memória do público, mas que aguardavam só a fagulha exata para queimar outra vez. Cruise fica especialmente magnético quando interage com o núcleo jovem, e esse é gancho que Kosinski usa para remontar ao conflito central de “Top Gun — Ases Indomáveis”, a morte de Goose, o cadete interpretado por Anthony Edwards. Rooster, o filho de Goose, é um dos alunos da nova turma de Maverick, e, sem dúvida, a subtrama protagonizada por Miles Teller, excelente, e Cruise é que justifica os 130 minutos. Ao menos, para quem não é fã das doidices dos anos 1980, como marmanjos jogando vôlei de areia num frustrado respiro cômico, repetido aqui.
Filme: Top Gun: Maverick
Direção: Joseph Kosinski
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10