Apesar da intensificação das ações de combate à dengue em Itaquera, na zona leste de São Paulo, os moradores reclamam da falta de atenção das equipes da Secretaria Municipal da Saúde em relação a algumas denúncias.
De acordo com o último boletim epidemiológico, o distrito de Itaquera lidera em número de casos de dengue. Até 7 de fevereiro, somava 527, com coeficiente de incidência por 100 mil habitantes de 246,8 —a partir de 300 é considerado epidemia.
No dia 8 de fevereiro, a Folha circulou pela região e conversou com moradores. O comerciante Francisco Canindé, 67, dono de um bar na rua São João do Cariri, contabilizou dez casos de dengue em menos de 100 metros. Entre os doentes, estão duas sobrinhas.
A reportagem apurou que a dengue também se espalhou por vias próximas, como as ruas B.B. Varela, Bento Vieira de Castro e a praça Jiquiriçá, e solicitou à Secretaria Municipal da Saúde o número de casos por via, em Itaquera, mas o órgão não forneceu. Segundo a pasta, dos endereços citados, há doentes apenas na rua Bento Vieira de Castro —oito, no total.
Um depósito de recicláveis fechado por ordem judicial, na rua São João do Cariri, gera preocupação na vizinhança.
“O pessoal da prefeitura veio aqui várias vezes. Eu falei ‘gente, o foco é ali [referindo-se ao depósito]. Vocês precisam contatar alguém’. Aí mandam a gente ligar no 156. Se eles que são da saúde não entrarem em contato, para mim fica mais difícil. Várias pessoas daqui já ligaram para o 156, mas até agora ninguém tomou atitude. Tem baldes de água lá dentro. Que a prefeitura tome providências ou os casos continuarão acontecendo”, relata Canindé.
Maria Anice Mureb Sallum, professora do departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenadora do mestrado profissional em entomologia, explica que a adaptação do Aedes aegypti a diferentes ambientes causou um aumento grande de criadouros.
“É importante eliminar todos os criadouros, mas não é fácil. As caixas d’água, que são criadouros muito produtivos, precisam de um tratamento especial. Esses locais de reciclagem também devem ser olhados de maneira diferente dos demais, porque são grandes produtores de criadouros e, consequentemente, de mosquitos”, diz a professora.
“Um estudo em Santa Bárbara d’Oeste [a 135 km de São Paulo] que eu participei concluiu que esses locais de reciclagem precisariam receber um tratamento diferenciado porque a quantidade de ambientes adequados para o mosquito era imensa. Mesmo que a prefeitura coletasse os mosquitos, controlasse as áreas do entorno desse centro de reciclagem, se não retirasse o lixo desses locais, se não fizesse a remoção dos criadouros, o mosquito rapidamente voltaria a ocupar toda a área”, explica a pesquisadora.
A epidemiologista também chama a atenção para a importância da remoção dos ovos do mosquito Aedes aegypti.
“Em uma pesquisa feita no exterior, os pesquisadores demonstraram que se remover os [mosquitos] adultos da natureza, as larvas, mas não remover os ovos, em 15 dias a população de mosquitos retorna ao tamanho anterior. Não adianta só jogar água do pratinho e deixar o ovo do mosquito ali dentro”, reforça.
Na rua Bento Vieira de Castro, mesma região, a reportagem flagrou um terreno com pneus de caminhão amontoados, a céu aberto. O bancário Thomas Willian Natel Ribeiro, 33, mora na rua de trás. “Vive gente lá, mas o terreno parece abandonado. Era um estacionamento de caminhão. Tentei denunciar para a prefeitura três vezes, mas o 156 estava sem sistema”, conta.
O carpinteiro Manoel Pereira de Andrade, 74, mora na travessa Ana Rosa Moreira da Silva, em frente a um terreno em que o dono –morto há mais de dez anos— colecionava peixes em dois tanques.
Manoel de Andrade e algumas pessoas na rua B.B. Varela disseram à reportagem que os tanques permanecem dentro do local e descobertos. Quando chove, enche de água. Segundo o carpinteiro, a prefeitura e o atual dono —a reportagem foi até a casa dele, mas não encontrou ninguém— não tomam providências.
Na opinião do médico sanitarista Adriano Massuda, professor e pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas), a melhor medida é a prevenção.
“Enquanto não temos vacina disponível para toda a população brasileira, a ação mais eficaz de combate à doença é o combate ao mosquito. Para isso, precisamos de equipes que conheçam e trabalhem no território, conversem com a população, identifiquem essas áreas de risco e façam intervenção. É assim que a saúde pública brasileira se constituiu e teve bastante sucesso no enfrentamento a epidemias”, afirma o sanitarista.
Para Massuda, o enfraquecimento do SUS (Sistema Único de Saúde) e a frequente mudança de profissionais dificultam as ações continuadas.
“Dados demonstram que se você tem agentes comunitários de saúde e equipes de saúde da família que atuam por um longo tempo no território, você tem mais capacidade de enfrentar essas doenças. Com equipes frágeis, muitas mudanças dos agentes comunitários, das equipes de vigilância em saúde e o enfraquecimento da Atenção Básica, a substituição das equipes —em São Paulo há a questão das OSS [Organizações Sociais de Saúde], que contratam profissionais e substituem com frequência— os profissionais não criam vínculo com o território, com as pessoas, o que dificulta a ação continuada.
“As ações precisam continuar mesmo quando cai o número de casos. A dengue é uma doença endêmica no Brasil, com momentos de epidemia. Enquanto não tivermos uma população vacinada, a ação tem que ser permanente de acompanhamento”.
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde afirma que o imóvel da rua São João do Cariri é monitorado e está cadastrado como ponto estratégico. O local recebe visitas dos agentes de endemias, além do tratamento com larvicida. A próxima vistoria será no dia 11 de março. No terreno da rua Bento Vieira de Castro foi realizada uma vistoria na sexta-feira (9), e a travessa Ana Rosa Moreira da Silva será vistoriada nos próximos dias.