De 1º de janeiro a 6 de março de 2024, o Brasil totalizou 1.289.897 casos prováveis de dengue com 329 mortes e outras 767 em investigação, segundo o Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. Em média, foram 19.544 infecções por dia.
No mesmo período de 2023, o país chegou a 261.434 —média de quatro casos por dia. Ao considerar o ano passado inteiro, houve 1.658.816 infecções e 1.094 óbitos.
Entende-se como casos prováveis todos os notificados, exceto os descartados.
A incidência da doença no país em 2024 —635,2 por 100 mil habitantes— indica epidemia. De acordo com o critério utilizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério da Saúde para a classificação da doença em relação à população, há três níveis de incidência: baixa (menos de 100 casos/100 mil hab.), média (de 100 a 300 casos/100 mil hab.) e alta (mais de 300 casos/100 mil hab.), esta última considerada epidêmica.
Discrepâncias no painel de monitoramento
Com a seleção do tópico “casos confirmados” no painel de monitoramento do Ministério da Saúde, o número de casos e o coeficiente de incidência caem cai para 580.760 e 286, respectivamente. O mesmo ocorre em cada federação.
O Distrito Federal, por exemplo, tem a maior incidência da doença (4.275,8) com base nos casos prováveis (120.452). Ao filtrar as confirmações, a incidência diminui para 1.334,3 com 37.588 casos prováveis. No dia 5 de março, a reportagem questionou o Ministério da Saúde em relação às discrepâncias encontradas na plataforma, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.
Para Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, as mortes sem confirmação é que dificultam o entendimento da magnitude da doença.
Ele ressalta que os óbitos suspeitos e não confirmados representam uma falha na vigilância do poder público. “O próprio Ministério da Saúde afirma nos seus indicadores e nas coletivas que a letalidade está baixa, só que não considera os óbitos suspeitos. E por quê? Estados e municípios não estão fechando esses dados”, afirma.
“Fica muito difícil entendermos o impacto da doença. Só vamos observar isso lá na frente e teremos um retrato do passado. Não fazemos uma vigilância mais atual, que pode direcionar esforços no sentido de evitar as mortes neste momento. Já que temos uma grande epidemia de dengue no Brasil, o objetivo passa a ser não mais evitar casos por conta da dificuldade das medidas preventivas em reduzir a transmissão. Neste ano vamos bater o número de recordes de óbitos.”
‘Não conseguimos observar por hospitalização porque não tem esse indicador. Os sinais de alarme ninguém preenche. O indicador de óbito é o único disponível e está totalmente inadequado, porque há muitos em aberto. Eu não me preocupo muito com o fechamento dos casos notificados, desde que a gente consiga observar a tendência, mas em relação aos óbitos é muito importante que esteja fechado em tempo oportuno. Claramente isso não está acontecendo nos painéis”, diz Croda.
Dengue avança mais devagar no Nordeste
Nos estados nordestinos, a incidência de dengue está mais baixa em relação ao restante do país, exceto na Bahia (242,8), que totaliza 34.325 casos. É importante observar que, apesar do coeficiente baixo (97,7), Natal, no Rio Grande do Norte, declarou situação de emergência devido à epidemia.
Na opinião do pesquisador, não há como prever se o comportamento da dengue mudará no Nordeste.
“Não tem como saber se vai aumentar. Ainda estamos na sazonalidade da doença, que vai até abril ou maio. Então, poderemos ter um aumento a qualquer momento. Por enquanto, está bem silencioso, com exceção da Bahia. Natal decretou emergência.
“Em alguns estados do Norte [a incidência também] está bem baixa. Observamos a expansão no centro do Brasil para a periferia. Começou mais no Distrito Federal, agora está em São Paulo, no Rio, Espírito Santo e no centro-sul.
Sexo feminino concentra maioria dos casos
A maior parte dos casos prováveis está concentrada nas mulheres —55,5%. No país, dados do painel apontam que outros 41,89% ocorreram em homens.
Nos dois gêneros, as faixa etárias com mais ocorrências da dengue são as de 30 a 39 (138.089 casos prováveis), 40 a 49 (210.668) e 50 a 59 (195.119). O intervalo com menos infecções prováveis vai de 1 a 4 anos (36.400).
Pardos (49,26%) e brancos (41,89%) foram os que mais tiveram infecções, seguidos por pretos (6,98%), amarelos (1,58%) e indígenas (0,29%).
Sintomas da dengue estão mais intensos e duradouros
Pacientes com dengue relatam à reportagem que os sintomas da doença estão mais duradouros e intensos. Andrea Marques, infectologista do Hospital e Maternidade Brasil, da Rede D’Or, tem a mesma percepção e acrescenta que neste momento epidêmico os casos também estão mais graves.
“Isso se deve porque a dengue tem esse perfil de ser mais grave e com sintomas mais intensos quando a pessoa já teve um primeiro episódio da doença. Então, antes dessa infecção, o sistema imunológico do paciente já tem uma lembrança de como combater o vírus. E quando a gente se contamina novamente pela dengue, a resposta imunológica é muito mais intensa. É por isso que o paciente tem mais sintomas e maior risco de ter desfechos indesejáveis”, explica a médica.
Ela reforça a importância de procurar atendimento médico o mais precoce possível. “Ao apresentar uma febre que não cede, é importante procurar a avaliação médica para fazer a classificação de risco e começar o tratamento adequado que, na dengue, é uma hidratação vigorosa —domiciliar ou endovenosa e sob vigilância médica quando houver sinais de alarme”, afirma Marques.
“Estamos observando maior prevalência do sorotipo 2. Existem estudos que mostram que os sorotipos 2 e 3 podem estar associados a sintomas diferentes, eventualmente mais prolongados, com maior gravidade associada a doença”, explica Julio Croda.
A infectologista também alerta para a febre. Apesar de ser o sintoma mais frequente, os idosos não fazem picos febris com a mesma frequência e intensidade que os adultos jovens e as crianças.
O idoso pode ficar abaixo de 37,8º C ou nem ter febre. “Os outros sintomas da dengue são mais preponderantes nessa população. A dor de cabeça, uma dor intensa muscular no corpo todo, o mal-estar e a falta de disposição. Com esses sintomas é importante fazer uma avaliação médica, principalmente porque os idosos são grupos de risco que podem ter maior complicação pela dengue.”
“Na criança, o quadro não é tão típico da dengue, com febre, dor no corpo, dor de cabeça e mal-estar. Ela pode ter vômitos e diarreia, o que acaba confundindo com outras doenças e infectocontagiosas. Nesse momento, a gente não está vendo só um aumento de casos de dengue. A Covid e a influenza estão vindo junto e atrapalham o diagnóstico”, finaliza a infectologista.