A agência sanitária dos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), demonstrou preocupação sobre os efeitos do MDMA, ou ecstasy, como tratamento para transtorno de estresse pós-traumático. Em análise divulgada na última sexta-feira (31), a instituição apontou falhas nos estudos de uma empresa que poderiam representar grandes obstáculos para a aprovação do tratamento para ajudar pessoas que convivem com condição.
A agência disse que a parcialidade afetou os estudos porque os participantes e terapeutas conseguiam facilmente identificar quem recebeu MDMA daqueles que receberam um placebo. Também destacou “aumentos significativos” na pressão arterial e na frequência cardíaca que poderiam “desencadear eventos cardiovasculares”.
A análise da equipe foi conduzida por um painel consultivo independente que se reunirá nesta terça-feira (4) para considerar um pedido da Lykos Therapeutics para o uso da terapia assistida por MDMA. As preocupações da agência destacam questões únicas e complexas enfrentadas pelos reguladores ao avaliar o valor terapêutico de uma droga ilegal que há muito tempo está associada a festas de longa duração.
A aprovação marcaria uma mudança sísmica na relação tortuosa dos EUA com compostos psicodélicos, a maioria dos quais a DEA (Drug Enforcement Administration), agência norte-americana antidrogas, classifica como substâncias ilegais que “não têm uso médico aceito e alto potencial de abuso”.
Pesquisas como os estudos atuais sobre a terapia com MDMA têm angariado o apoio de vários grupos e legisladores de ambos os partidos para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático, uma condição que afeta milhões de norte-americanos, especialmente veteranos militares. Nenhuma nova terapia foi aprovada para a desordem nos últimos 20 anos.
“O que está acontecendo é realmente uma mudança de paradigma para a psiquiatria”, diz David Olson, diretor do Instituto de Psicodélicos e Neuroterapêutica da Universidade da Califórnia em Davis. “O MDMA é um passo importante na área porque realmente carecemos de tratamentos eficazes e as pessoas precisam de ajuda agora.”
Amy Emerson, CEO da Lykos Therapeutics, afirma que a empresa apoia os dados e o desenho de seus estudos, desenvolvidos em consulta com membros da equipe da FDA.
“Esses não são desenhos de estudo fáceis; são muito complicados”, diz ela.
O ‘desmascaramento funcional’, em que os participantes do estudo podem determinar se receberam um placebo, muitas vezes influencia a pesquisa sobre medicamentos psicoativos porque os pacientes estão conscientes dos efeitos”, afirma a chefe-executiva da marca.
Uma rejeição do pedido abalaria o campo da medicina psicodélica, que tem atraído milhões de dólares em investimentos privados. Grande parte desse apoio foi baseado na aprovação da terapia com MDMA, que a FDA concedeu a designação de terapia inovadora, ou revisão rápida, em 2017.
A agência concedeu a mesma designação a outras quatro substâncias psicodélicas, incluindo a psilocibina de “cogumelos mágicos” para a depressão e uma substância semelhante ao LSD para transtorno de ansiedade generalizada.
A criminalização dos psicodélicos, aprovada pelo ex-presidente Nixon ainda na década de 1970, interrompeu a pesquisa sobre uma variedade de compostos psicoativos que até então vinham mostrando promessa terapêutica significativa
Nos últimos anos, o MDMA cativou cientistas, profissionais de saúde mental e pacientes com base em relatos e dados que sugerem que a droga, quando combinada com terapia, pode produzir melhorias significativas em uma variedade de condições psiquiátricas, incluindo ansiedade, depressão, dependência química e distúrbios alimentares.
A droga não é, estritamente falando, um psicodélico clássico como LSD ou psilocibina. Em sua forma pura, o MDMA é considerado um empatógeno ou entactógeno, ou seja, aumenta o sentimento de empatia e conexão social de um indivíduo. Mas as versões ilícitas da droga compradas para fins recreativos muitas vezes são misturadas com outras substâncias, aumentando o risco de efeitos adversos.
Com exceção de seus potenciais riscos cardíacos, o MDMA tem um perfil de segurança bem estabelecido e não é considerada com alto grau de dependência por estudiosos da área.
A FDA geralmente segue as recomendações de seu painel consultivo. É estimado que a agência chegue a uma decisão formal até meados de agosto. No entanto, mesmo que seja aprovada, a agência poderia acatar o conselho de sua equipe e de especialistas externos impondo controles rígidos sobre o uso do psicodélico exigindo estudos adicionais para avaliar sua eficácia como tratamento.
Os dois últimos levantamento que a Lykos enviou à FDA examinaram cerca de 200 pacientes que passaram por três sessões —de oito horas cada— durante as quais cerca da metade recebeu MDMA e a outra metade recebeu um placebo, de acordo com um relatório publicado na Nature Medicine. Em cada sessão, os pacientes que receberam uma dose incial de 80 a 120 miligramas do psicodélico, seguida por uma dose com metade da intensidade cerca de duas horas depois. As sessões tiveram um intervalo de quatro semanas.
Os pacientes também tiveram três consultas para se prepararem para a terapia e mais nove nas quais discutiram o que aprenderam.
O ensaio clínico mais recente descobriu que mais de 86% dos que receberam MDMA alcançaram uma redução mensurável na gravidade de seus sintomas. Cerca de 71% dos participantes melhoraram o suficiente para não atenderem mais aos critérios para um diagnóstico de transtorno do estresse pós-traumático. Dos que tomaram o placebo, 69% melhoraram e quase 48% não se qualificaram mais para um diagnóstico da condição, de acordo com os dados apresentados.
“É fácil apontar falhas no estudo, mas não há dúvida de que o MDMA está ajudando muitas pessoas com transtorno de estresse pós-traumático”, diz Jesse Gould, ex-Ranger do Exército que dirige a Heroic Hearts, uma organização que ajuda veteranos a acessar tratamentos psicodélicos na maioria das vezes fora dos Estados Unidos.
“Sem outros medicamentos em desenvolvimento e mais de 17 veteranos se suicidando todo dia, precisamos desesperadamente de novas opções de tratamento”, afirma o ex-militar.
Independentemente da decisão da FDA, especialistas no campo da medicina psicodélica afirmam que o tratamento com MDMA mostra avanço, dado o aumento das pesquisas promissoras e o amplo apoio público e político ao tema.