No dia 13 deste mês, Mariana Michelini, 36, passou por uma cirurgia para a reconstrução da lateral direita do seu lábio superior. O procedimento consiste em cortar um pequeno retalho da língua e costurá-lo ao lábio. Ela ficará assim por cerca de 20 dias, até que a vascularização —fluxo sanguíneo na região— seja reestabelecida. Durante esse período, ela não consegue falar e se alimenta apenas com líquidos e alimentos pastosos.
Em seguida, ela fará uma cirurgia que vai soltar a língua, deixando no local o retalho que formará o novo lábio. Na mesma ocasião, ela repete o primeiro procedimento, só que desta vez do lado esquerdo. Aí serão mais cerca de 20 dias com a boca suturada.
“Graças a Deus, não tenho dor”, afirma Mariana. “Está sendo muito tranquilo. É só um incômodo por ter a língua presa e ter que ficar de boca aberta. Por exemplo, eu babo se abaixo a cabeça.”
Esta é a segunda cirurgia reconstrutiva pela qual ela passa. A primeira foi em dezembro do ano passado, quando foi preciso retirar um triângulo do lábio inferior e suturá-lo na pele do buço para reconstruir a parte central do lábio superior.
“Nesse processo, tive que ficar 20 dias com a boca costurada, apenas com um espaço no canto direito para me alimentar com dieta líquida, com um canudo, e tomar os remédios”, diz.
Mariana precisou remover o lábio superior e parte do buço em 2022 com um cirurgião plástico após, em 2020, ter feito um preenchimento nos lábios, no queixo e na região do osso malar, área conhecida como maçãs do rosto.
Na época, ela atuava como influenciadora em Matão (SP), município que fica a 306 km da cidade de São Paulo, e anunciava serviços locais em suas redes sociais.
“Eu cobrava para fazer esses trabalhos, mas alguns ocorriam por meio de permuta. Foi assim que, em troca de uma harmonização facial, fiz propaganda para uma profissional da área de saúde da minha cidade”, conta.
A profissional disse a ela que o procedimento seria feito com ácido hialurônico, uma substância que já existe no nosso organismo, mas também é reproduzida em laboratório para ser aplicada em maiores quantidades, por meio de seringas e cânulas, promovendo volume e sustentação a algumas áreas da face.
Este produto é considerado seguro por médicos, pois, além de ser reabsorvido pelo organismo depois de alguns meses, caso haja alguma complicação, ele pode ser removido com a injeção de uma enzima chamada hialuronidase.
No entanto, seis meses depois após o procedimento, ela acordou com o rosto inchado, vermelho e doendo muito. Ao se submeter a uma biópsia, Mariana descobriu que o produto aplicado foi o PMMA, e não ácido hialurônico, como ela imaginava.
O polimetilmetacrilato, chamado de PMMA, é um preenchedor definitivo em forma de gel, utilizado em procedimentos estéticos e para correção de lipodistrofia, uma alteração da quantidade de gordura no corpo que pode ocorrer em pacientes com HIV.
“Os materiais que são permanentes, como por exemplo o PMMA, eles não são dissolvíveis, eles não têm um antídoto. Então, se você tem uma lesão vascular, você entope permanentemente a artéria e pode levar a um caso de necrose de pele, de necrose de uma região maior, como, por exemplo, o lábio superior inteiro”, explica Fábio Saito, médico cirurgião plástico e membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica).
Saito ressalta que o PMMA pode migrar da região onde é aplicado para outras áreas do corpo. “Pode ocorrer acúmulo de produto na região muscular, na região da mucosa, e surgirem deformações da face, do lábio, do glúteo.”
Desde os anos 2000, os médicos não costumam mais usar essa substância por ser permanente e aderir a pele, músculos e ossos. Quando há um processo inflamatório, ou mesmo quando o paciente não gosta do resultado, remover o PMMA sem causar danos a essas estruturas é quase impossível.
O uso do produto para fins estéticos e reparadores é liberado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas não é recomendado pela SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica).
Mariana já se submeteu a tratamentos com antibióticos e corticóides, intervenções para extrair partes do PMMA, à cirurgia que removeu seu lábio superior e o buço, além das operações para a reconstituição dessas áreas.
“Em dezembro do ano passado, pude fazer a primeira etapa da construção com o doutor Raulino Brasil, de Palhoça (SC), especialista em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial. Ele utilizou uma técnica chamada Abbe, que tirou um triângulo do lábio inferior e o costurou na pele do buço para reconstruir o lábio superior”, diz.
“Sou muito grata a todos os anjos que Deus colocou no meu caminho para me ajudar. Estar com pessoas que fazem seu sofrimento ser mais leve, isso é o que vale. Eles são maravilhosos”, relata.
Depois de contar sua história nas redes sociais, Mariana foi processada pela pessoa que fez o procedimento nela e não pode mais citar seu nome nem profissão.
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