A União Europeia, por meio da Cepi (Coalizão para Inovações de Preparação Epidêmica, na sigla em inglês), vai investir mais US$ 41,3 milhões (cerca de R$ 233 mi) nos próximos cinco anos para expandir o acesso à vacina chikungunya em países de baixa e média renda.
O montante também vai apoiar o desenvolvimento de estudos de fase 4, que ocorrem após a aprovação do imunizante, em crianças, adolescentes e grávidas em lugares de alta circulação do vírus, como o Brasil.
O repasse da UE é destinado à farmacêutica Valneva, produtora e detentora da tecnologia do imunizante, o primeiro aprovado contra chikungunya no mundo, e se soma aos US$ 24,6 mi (cerca de R$ 139 mi) já cedidos à fabricante para ajudar no desenvolvimento de ensaios clínicos de eficácia e na comercialização do imunizante em países de baixa e média renda.
Com a primeira parte do financiamento, a Valneva realizou estudos de eficácia do seu imunizante em adolescentes no Brasil em 2021 em parceria com o Instituto Butantan, que mostraram uma capacidade da vacina induzir anticorpos contra o vírus em 98,9% dos participantes, um dado considerado excelente.
A vacina, conhecida como Ixchiq, foi aprovada pela FDA (agência que administra drogas e alimentos nos Estados Unidos) para pessoas maiores de 18 anos em novembro de 2023.
Após a aprovação da FDA, os produtores da vacina enviaram um pedido de registro à EMA (Agência Europeia de Medicamentos), que concedeu a autorização em junho último, e à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), cujo processo encontra-se em análise.
Para Richard Hatchett, diretor executivo da Cepi, o acesso a uma vacina contra chikungunya em áreas onde a doença provoca muitos casos é uma prioridade do órgão. “Milhões de pessoas foram afetadas pela chikungunya e, hoje, mais de um bilhão de pessoas vivem em áreas de incidência [elevada]. Esses estudos clínicos e a transferência de tecnologia irão acelerar o acesso em países epidêmicos, além de informar estratégias futuras de implantação de vacinas e aliviar a carga em saúde de futuros surtos”, diz.
Segundo o diretor do Butantan, o infectologista Esper Kallás, há discussão de projetos entre a farmacêutica e a instituição de saúde pública brasileira para ampliar estudos chamados pós-licenciamento da vacina, que são aqueles feitos depois de uma autorização para uso do imunizante.
“O primeiro estudo é de fase 4 [de eficácia em vida real] e o segundo vai avaliar se a utilização da vacina em lugares endêmicos apresenta os mesmos dados obtidos no estudo de imunogenicidade, comparado com placebo. E esses estudos vão envolver a participação de centros de pesquisa em locais onde tem circulação de chikungunya, sendo o principal deles o Brasil, e, no nosso caso, é o Butantan que coordena essas atividades”, diz.
O infectologista explica que os dados foram submetidos para avaliação das agências em paralelo e, tão logo recebam uma resposta da Anvisa, o instituto já tem autorização para envase e produção do imunizante, podendo comercializá-lo. “Aí vêm os processos de incorporação, caso seja assim o desejo, do Ministério da Saúde. Mas nós recebendo o aval da Anvisa já temos como aplicar a vacina no dia seguinte”, diz.
Procurada, a Anvisa não respondeu até a publicação desta reportagem.
A chikungunya é uma arbovirose (doença transmitida por mosquito) com incidência em lugares onde há populações do Aedes aegypti, transmissor do vírus. Os sintomas incluem febre alta, dores no corpo e na cabeça, manchas avermelhadas e dores nas articulações, que podem ser incapacitantes. Em pessoas com comorbidades, o quadro clínico pode ser ainda pior.
No país, em 2024, foram registrados mais de 356 mil casos de chikungunya até o último dia 20 de julho, de acordo com o boletim epidemiológico da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde).
Kallás afirma que o instituto teria condições de seguir com a fase 4 independentemente do apoio da Valneva, mas que o aporte de recursos ajuda a alcançar mais rapidamente os objetivos. “É importante avançar nos estudos de fase 4, além de um cenário de aprovação, para já no próximo ano aplicar a vacina, porque mesmo com o registro de uso provisório da Anvisa, pendente à realização desses estudos, podemos já começar o uso em 2025.”
Para o médico, porém, um desafio será qual a prioridade de produção na fábrica de vacinas do instituto, uma vez que a mesma tecnologia é usada para a vacina contra a dengue. “Precisamos avaliar ainda com o Ministério da Saúde qual vai ser a prioridade, mas de qualquer forma o Butantan vai ter [cada vez mais] um papel importante na fabricação desses imunizantes na América Latina”, completa.