A última vez em que Luana Vidal, 25, teve contato com seu pai foi há cinco anos, numa audiência sobre pensão. Na época, ela fazia um curso tecnólogo na área de eventos, mas foi convocada judicialmente porque ele afirmava que não pagaria mais o benefício. O último Dia dos Pais com ele, no entanto, foi há mais de uma década.
Luana se lembra da celebração com o pai em um churrasco em família, mas sem nada muito especial, já que as visitas que ele costumava fazer eram esporádicas desde que ela tinha dois anos de idade, quando ele se separou de sua mãe.
“Ele tentou manter uma constância, do jeito dele. Ao menos todo mês a gente se via”, diz. Mas, com o passar do tempo, essas visitas foram diminuindo.
Na época, os encontros eram os mesmos: costumavam acontecer em shoppings durante o almoço.
Por volta dos 17 anos, ela conheceu seu irmão mais velho, com cerca de dez anos de diferença, que também cresceu sem ter muito contato com o pai.
Das primeiras vezes que comemorou a data longe do pai, chegou a estranhar porque todos os seus primos estavam com os pais. Mas com o tempo isso deixou de ser uma questão.
“Eu acho que por um tempo foi [um problema], porque eu lembro de ter esse choque, especialmente em uma ou duas festas de escola sem meu pai para levar, o que me deixou desconfortável”, diz.
Belinda Piltcher Haber Mandelbaum, psicóloga e professora titular do departamento de psicologia social da USP (Universidade de São Paulo), afirma que na infância essa falta pode ser mais difícil do que na vida adulta, mas com o passar dos anos a pessoa começa a entender essa ausência. “É na vida adulta que essa figura de pai ausente vai se diluindo”, explica.
Luana diz que costuma passar a data comemorativa com a mãe, o avô materno —com quem passou a viver quando sua mãe se separou— e o padrasto. Ela classifica os dois como referência paterna.
“É para quem eu costumo escolher presentes, por exemplo. Se fosse para o meu pai biológico, eu nem saberia do que ele gostaria de ganhar”, afirma Luana.
O Dia dos Pais, tanto quanto o Dia das Mães, pode ter um peso maior para as pessoas que não possuem um desses entes, seja porque morreram ou porque foram ausentes, segundo Manuela Moura, psicóloga clínica especialista em terapia de casal e da família.
“Às vezes, mesmo que o pai esteja vivo e não seja completamente ausente, as relações familiares violentas podem tornar datas como essas sofridas, sobretudo na infância e adolescência, quando esses referenciais são tão importantes na nossa vida”, diz Moura.
Na data, algumas pessoas chegam a presentear mães, avós e tias, o que segundo a psicologa mostra que o referencial paterno independe de gênero e vínculo biológico.
“É comum querer aproveitar e presentear nessas datas pessoas que participaram da sua criação, educação e que ocuparam esse lugar afetivo de apresentação ao mundo, de transmissão da cultura familiar”, diz a psicóloga da família.
Além disso, na visão dela é preciso diferenciar o tipo de abandono. Existe aquele em que o pai registrou, mas não participou, e também há o abandono emocional, que é um subtipo. “Existe essa figura paterna, ela é viva e os filhos sabem seu nome e endereço”, afirma Manuela.
Outra forma de abandono é convivendo, inclusive, dentro da mesma casa, resumindo os casos em que o pai não se ocupa em absoluto com a criação desse filho e que pode representar uma experiência emocional de profundo abandono.
Essas situações, no entanto, diferem daquelas em que as pessoas não comemoram com o pai biológico por motivo de luto. “Porque existe algo a ser celebrado, que é a memória. Este homem partiu, mas foi um pai presente na minha vida. Eu tenho uma memória, ainda que essa memória venha acompanhada da dor da perda, do luto da morte”, completa Manuela.
Analista de qualidade, Letícia Gosse, 27, é uma dessas pessoas que apesar de ter o nome do pai no registro, ele foi ausente durante toda a sua vida e o conheceu há pouco tempo, momentos antes de ele morrer. Ela admite que não conseguiu viver esse luto.
“Acho que é porque vivi um luto dessa relação praticamente a minha vida toda. Até escolhi participar dessa cerimônia para botar um ponto final nisso”, afirma Letícia.
Moradora de Sumaré, no interior de São Paulo, ela se lembra de ter sentido falta de ter um pai, principalmente ao ver a relação do irmão mais velho, fruto do primeiro relacionamento de sua mãe, tendo um pai para comemorar a data.
“No começo acho que sentia mais, mas fui me acostumando com o tempo”, diz.
Normalmente, Letícia passa a data com o irmão, filho do mesmo pai e mãe, e com os tios —maridos de suas tias. Mas neste ano, pela primeira vez, a comemoração vai ser diferente. Mãe de Nael, de 10 meses, ela afirma já estar se organizando para o primeiro Dia dos Pais do filho e do marido.
“Fiquei pensando com um pouco de antecedência o que fazer, o que ele gostaria de ganhar. Comprei um perfume e disse que é o nosso filho que está dando de presente.”
Ensinar um caminho diferente do dela para o filho é a ideia. Segundo Letícia, ela preza muito por uma família estável e que seu filho, já cedo, entenda a importância do papel de seu pai.
“Faço o possível para que ele possa ter essa referência paterna, de um dia, se quiser ser pai, ser presente”, diz.
Atitudes como a de Letícia são comuns, segundo Mandelbaum. “Essa busca por reparar aquele dano e construir a família desejada é legítima”, diz.
Algumas outras pessoas, inclusive, preferem nem comemorar a data. Como é o caso de Luis Felippe Fonseca de Oliveira, 23. Estudante de administração, ele foi registrado pelo pai e até comemorou algumas datas, ainda na infância, ao lado dele, mas hoje prefere passar sozinho.
“Tinha contato com ele umas três ou quatro vezes por ano, mas hoje costumo ignorar o dia e seguir como um domingo normal, sem comemorações, apenas com meus planos para aquele dia”, relata Felippe.
Natural do Rio de Janeiro, ele diz que seu pai sempre viveu a cerca de 10 km de sua casa. Quando ele começou a evitar contato, a sensação foi mais traumática, mas na pré-adolescência passou a ser indiferente.
Moura explica que para muita gente nem faz sentido comemorar essa data, e é comum que isso aconteça.
“Às vezes a pessoa não tem mesmo que celebrar. Que não celebre e faça do seu dia um outro dia, que vá ocupar o seu domingo de uma outra forma, vá fazer alguma coisa que te proporcione prazer, diversão, vá estar com amigos. Que essa pessoa possa dar a ela, a si mesma, um dia agradável sem a lógica comercial” finaliza.