Achado sistema que produz glicose em cenário de estresse – 20/09/2024 – Equilíbrio – Zonatti Apps

Achado sistema que produz glicose em cenário de estresse – 20/09/2024 – Equilíbrio

Uma pesquisa liderada por brasileiros descreveu detalhadamente a morfologia dos nervos no fígado e como eles controlam a produção de glicose em situação de estresse do organismo. Esse processo, conhecido como gliconeogênese hepática, é vital na manutenção da glicemia durante o jejum e em ocasiões de alta demanda energética.

Publicado na revista científica Metabolism, o estudo foi feito em camundongos e mostrou que, em resposta ao frio, os nervos simpáticos que liberam noradrenalina no fígado ajudaram a aumentar o açúcar no sangue ao ativar o processo de produção de glicose. Essa ativação envolveu moléculas específicas —a proteína CREB e seu ativador CRTC2—, pouco estudadas nesse contexto.

A noradrenalina (ou norepinefrina) é um neurotransmissor fundamental na rápida resposta do corpo humano a situações de estresse ou perigo, aumentando a frequência cardíaca, a pressão arterial e a liberação de glicose a partir de reservas de energia. Atualmente, na literatura científica, a maior parte dos estudos sobre a regulação da produção de glicose pelo fígado tem como alvo a ação de hormônios do pâncreas e das glândulas adrenais.

A compreensão desses mecanismos é crucial para desvendar os processos fisiológicos desordenados que levam a doenças metabólicas, entre elas diabetes e obesidade. Por isso, os achados da pesquisa podem abrir caminhos para novos estudos focados no tema, especialmente em situações de alterações do sistema nervoso simpático, como a hipertensão e a esteatose (acúmulo de gordura) hepática.

“A originalidade do nosso trabalho foi mostrar que o sistema nervoso central, por meio de nervos simpáticos, pode controlar CREB e ativar de novo a produção hepática de glicose em uma situação de demanda energética. Descrevemos a anatomia da inervação que chega ao fígado usando uma metodologia inédita no Brasil”, explica à Agência Fapesp o professor Luiz Carlos Navegantes, do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), autor correspondente do artigo.

Os pesquisadores usaram uma técnica chamada 3DISCO (sigla em inglês para imagem tridimensional de órgãos clareados em solventes) —um método histológico que torna as amostras biológicas mais transparentes usando uma série de solventes orgânicos, permitindo assim uma imagem tridimensional com os nervos em destaque.

O trabalho recebeu apoio da Fapesp por meio de um Projeto Temático e de bolsas de mestrado e doutorado concedidas ao biólogo Henrique Jorge Novaes Morgan, primeiro autor do artigo, que venceu o Prêmio Álvaro Osório de Almeida, concedido pela Sociedade Brasileira de Fisiologia em 2021.

Também participaram do estudo pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido), do Instituto Francis Crick (em Londres) e o professor Marc Montminy, do Salk Institute for Biological Studies (Estados Unidos), que “descobriu” CREB e elucidou seu papel como regulador do metabolismo energético, revelando potenciais alvos de medicamentos para resistência à insulina, diabetes e obesidade.

Metodologia

Usando o imunomapeamento em 3D, os cientistas analisaram a distribuição dos nervos simpáticos no fígado dos camundongos, observando-se uma densa inervação composta por fibras nervosas primárias espessas, que se ramificam, mas não alcançam diretamente o hepatócito (célula do fígado).

Para investigar o papel fisiológico da inervação, os animais foram expostos a baixas temperaturas (4°C) por até seis horas. O estresse pelo frio ativou CREB/CRTC2, por meio de um sinal de cálcio (Ca2+), para garantir o fornecimento de glicose para os músculos, ajudando a manter o corpo dos roedores aquecido.

“Dando continuidade aos estudos pioneiros do professor Renato Hélios Migliorini, fundador de nosso laboratório, que na década de 1980 demonstrou que o sistema nervoso era capaz de ativar a gliconeogênese, precisávamos entender o que acontecia em nível molecular. Por isso, analisamos animais dos quais tiramos essa inervação do fígado por meio de dois métodos diferentes —um químico e um cirúrgico— e em camundongos transgênicos sem o CRTC2. Nesses casos, não houve a gliconeogênese em resposta ao frio, ou seja, sem os nervos ou sem o coativador de CREB o roedor não consegue produzir a glicose em situação de estresse. Com esses resultados, estamos acrescentando um novo componente nas pesquisas”, completa Navegantes.

O artigo “Hepatic noradrenergic innervation acts via CREB/CRTC2 to activate gluconeogenesis during cold” pode ser lido aqui.

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