Cientistas dos Estados Unidos coletaram novas evidências que reforçam teoria de que a doença de Parkinson começa pelo intestino. Após analisar os dados de mais de 9.000 participantes sem histórico da doença, os especialistas observaram que houve um risco aumentado para o desenvolvimento dessa neurodegeneração entre aqueles que apresentavam danos na mucosa gastrointestinal superior.
Eduardo Zimmer, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que é comum que pacientes de Parkinson apresentem quadros de constipação, e desse fenômeno surgiu o interesse dos pesquisadores na possível relação entre intestino e cérebro. No nosso corpo existe um eixo de comunicação direto entre esses dois órgãos que é especialmente relevante para o sistema nervoso.
Para confirmar essa hipótese, os cientistas administraram uma proteína chamada alfa-sinucleína, associada com o desenvolvimento do Parkinson. Em seguida, a mesma substância foi encontrada no cérebro dos participantes, deixando claro que ela é capaz de transpor as barreiras fisiológicas de segurança do nosso cérebro.
Essa relação também fica clara no estudo americano, no qual foram coletados dados de uma coorte de mais de 9.000 pacientes que participaram de exames de endoscopia da região gastrointestinal superior.
No total, o resultado das análises para um quarto dos participantes apontou a existência de danos na mucosa, que os especialistas atribuem a diversas causas, como histórico de infecção por Helicobacter pylori (uma espécie de bactéria), uso contínuo de anti-inflamatórios, refluxo, tabagismo, constipação, entre outros.
Cerca de 15 anos depois, os voluntários passaram por um acompanhamento, quando novos dados de saúde foram coletados. Foi analisando essas informações que os pesquisadores descobriram que, entre aqueles que haviam apresentado danos na mucosa, houve proporcionalmente um número maior de pacientes que desenvolveram Parkinson.
Segundo os especialistas, danos nas mucosas como aqueles apresentados pelos pacientes, estão intimamente relacionados com a disbiose, isto é, um desbalanço na microbiota intestinal que favorece determinadas bactérias em relação a outras. Isso é especialmente verdade entre aqueles com histórico de infecção pela Helicobacter pylori.
Essas bactérias que são favorecidas nos casos de disbiose seriam, portanto, responsáveis pela produção de substâncias que navegam através do corpo até atingirem o cérebro, onde daria início ao processo de neurodegeneração. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica Jama (Journal of American Medical Society).
“Para a saúde cerebral e mental, está se tornando cada vez mais claro que as interações entre o eixo intestino-cérebro são essenciais. Se a gente quer ter uma saúde cerebral prolongada, a gente precisa ter uma saúde intestinal e uma microbiota equilibrada”, afirma Zimmer. Para o especialista, essas descobertas também representam novas possibilidades para tratamentos.
Um estudo publicado no final do ano passado na revista Alzheimer’s and Dementia analisou os resultados de um programa de 24 semanas de mudança de estilo de vida em pacientes sem demência que, porém, apresentavam ao menos um fator de risco para a doença. Uma parte dos voluntários recebeu tratamento em casa, e outra em unidades de saúde. Uma outra parcela não participou das intervenções, sendo o grupo de controle.
Entre todos aqueles que participaram das intervenções houve uma redução do risco para o desenvolvimento de demências e doenças neurodegenerativas. Em particular, os pesquisadores observaram que houve uma alteração da microbiota, com diminuição da abundância de algumas bactérias (do filo Proteobactérias) em favor de outras (da família Lachnospira e do gênero Parabacteroides).
Os autores do trabalho concluem que a intervenção multidomínio pode atuar em favor dos pacientes, entre outros aspectos, por meio da melhora da disbiose, equilibrando a flora intestinal.
Bruno Lobato, professor e pesquisador da UFPA (Universidade Federal do Pará), ressalta, entretanto, que doenças neurodegenerativas são complexas, e nem seu surgimento nem seu tratamento podem ser atribuídos a uma única causa. O especialista tem tentado jogar luz, nos últimos anos, no papel dos pesticidas para o desenvolvimento da doença.
Uma das vias pelas quais os defensivos agrícolas podem levar ao surgimento do Parkinson é justamente pelo intestino. Segundo Lobato, ao ingerir essas substâncias junto com os alimentos, qualquer pessoa pode esperar que haja uma mudança importante na composição da microbiota intestinal, a partir da qual pode haver uma progressão acelerada do quadro clínico dos pacientes.
Um dos estudos realizados pelo grupo de pesquisa de Lobato recrutou mais de 700 pacientes de Parkinson e outros 400 pacientes de controle ao redor do país. Todos os participantes responderam questionários que permitiram analisar a exposição individual a pesticidas.
A análise estatística das respostas mostrou que a alta exposição aos defensivos (mais de 30 dias ao ano) está relacionada com maiores chances de desenvolver essa neurodegeneração. Os resultados foram publicados na revista científica Parkinsonism and Related Disorders.