O recente surto de oropouche não tem precedentes. Em agosto, a Organização Pan-Americana da Saúde emitiu alerta epidemiológico. Mais de 10 mil casos foram reportados nas Américas neste ano. O vírus, até então restrito à região Amazônica, se espalhou para cidades e países onde a transmissão nunca havia sido detectada.
Além do Brasil, casos foram confirmados na Bolívia, Canadá, Colômbia, Cuba, República Dominicana, Peru, Estados Unidos, Espanha, Itália e Alemanha.
Os primeiros casos fatais de oropouche e o primeiro caso de transmissão vertical foram confirmados no Brasil. Casos de morte fetal, natimortos e malformações neonatais graves associados ao oropouche durante a gravidez foram relatados.
Um nexo causal entre oropouche e desfechos adversos da gravidez ainda não foi confirmado. Apesar disso, em agosto deste ano o Ministério da Saúde emitiu diretrizes para a notificação e investigação de casos suspeitos de oropouche em gestantes, de anomalias congênitas e de óbitos fetais.
Desde 2023 o Brasil já registrou mais de 9.000 casos de oropouche. Um estudo publicado na revista Nature Medicine descreve a disseminação e a evolução genética do vírus oropouche na Amazônia.
O estudo mostra que uma nova linhagem recombinante do vírus, que provavelmente surgiu entre 2010 e 2014 no estado do Amazonas, está associada ao recente surto no Brasil. Essa nova linhagem circulou silenciosamente por cerca de uma década até o aumento de casos em 2023.
A propagação ocorreu principalmente por meio de movimentos curtos (menos de 2 km), provavelmente impulsionados por padrões de voo do vetor, mas cerca de um quinto da propagação teve distâncias de mais de 10 km, provavelmente resultado da mobilidade humana.
Fica clara a importância da vigilância.
Primeiro, é preciso diagnosticar todas as doenças febris. Casos febris com teste negativo para doenças comumente investigadas geralmente não são diagnosticados. Isso cria um cenário em que patógenos se espalham silenciosamente até que ocorra um surto.
Segundo, a vigilância genômica é fundamental para fortalecer a detecção e a resposta a ameaças globais à saúde. A pandemia de Covid-19 (quando diferentes variantes levaram a períodos prolongados de transmissão) e o recente surto de oropouche demonstram essa necessidade.
Existem inúmeros patógenos que foram detectados em diferentes hospedeiros na Amazônia, muitos dos quais têm potencial para se tornar zoonoses. No entanto, não existe uma rede nacional de vigilância animal.
Há, ainda, uma relação entre desmatamento e surtos de oropouche, uma vez que o desmatamento desloca hospedeiros animais forçando o vetor a se alimentar de humanos.
Dadas as complexas interações entre mudanças climáticas, modificação ambiental, crescimento urbano e mobilidade humana, a vigilância é a melhor intervenção para mitigar a (re)emergência de patógenos com potencial capacidade epidêmica.
Uma vigilância nacional e unificada a partir de uma perspectiva de saúde única (saúde humana, animal e ambiental), combinando técnicas epidemiológicas e genômicas, é fundamental para prevenir, prever, detectar e responder a ameaças epidemiológicas.
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