O aborto, um dos temas mais quentes na política neste ano, foi ignorado por quase todas as campanhas de candidatos a prefeito em capitais.
Segundo levantamento da Folha, a palavra “aborto” aparece apenas em 3 programas de governo dos 66 consultados, que incluem os três primeiros colocados nas 22 capitais contempladas por pesquisas Datafolha ou Quaest.
No Brasil, o aborto só é permitido em três situações: estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto. Em nenhum dos casos existe limite de tempo gestacional para a realização do procedimento.
Guilherme Boulos (PSOL), candidato em São Paulo, e Kleber Rosa (PSOL), que concorre em Salvador, propõem a criação de “protocolo municipal de atendimento e acolhimento ao aborto legal, complementar ao do SUS (Sistema Único de Saúde), com a ampliação de profissionais com atuação específica para realizar o atendimento”. A redação da proposta é idêntica nos dois programas.
O outro programa em capitais que trata de aborto é o de Abílio Brunini (PL), em Cuiabá, que propõe “incentivar política de doação de bebês em interesse de aborto”.
Em São Paulo, os direitos reprodutivos e a saúde da mulher não protagonizam a campanha de nenhum dos três candidatos que aparecem à frente nas pesquisas: o prefeito Ricardo Nunes (MDB), Boulos e Pablo Marçal (PRTB).
Em seu programa de governo, o prefeito diz apenas que “teremos uma atenção especial com a saúde da mulher mediante ampliação de serviços de prevenção, tratamento e planejamento familiar, além de campanhas educativas sobre direitos reprodutivos”, sem ser mais específico.
Marçal, que não cita a palavra aborto no plano de governo, propõe “políticas para prevenir a gravidez precoce”, sem dizer quais seriam elas.
Nenhum dos candidatos, inclusive Boulos, mencionou o Hospital Vila Nova Cachoeirinha. A unidade era referência no estado de São Paulo para o aborto legal acima de 22 semanas de gestação. O serviço foi fechado pela gestão Nunes em dezembro de 2023.
O tema foi trazido ao debate Folha/UOLnesta segunda-feira (30), em pergunta dirigida ao prefeito, mas ficou sem resposta.
Ele disse apenas que a lei está sendo cumprida e explicou a interrupção do serviço na unidade, mas não mencionou onde a gestante pode ter acesso ao procedimento no caso de gestações mais avançadas.
Ataques ao direito ao aborto legal não aparecem de forma direta nos programas de governo, mas acenos ao movimento antiaborto se fazem presentes, como na proposta de Brunini em Cuiabá. Além da política de doação de bebês, ele cita no programa o término da obra na maternidade da cidade e a noção vaga de promover “cuidados de saúde materna de qualidade, com acompanhamento pré-natal e assistência no parto”.
O candidato está em segundo lugar na pesquisa Quaest, com 26% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Lúdio Cabral (PT), que tem 20%. Na liderança está Eduardo Botelho (União Brasil), com 33%.
Botelho menciona questões relativas à maternidade em um ponto breve, que é ampliar o “serviço de acompanhamento materno-infantil”.
Cabral, por outro lado, faz um plano detalhado, que inclui a garantia de atendimento “ao pré-natal, parto e puerpério”, com informações sobre parto humanizado, enxoval para gestantes e recém-nascidos de baixa renda, acesso a exames preventivos para recém-nascidos, criação de um “observatório sobre os principais indicadores relacionados à mortalidade infantil e materna” e garantir acesso à reprodução assistida. É a proposta mais robusta das observadas no levantamento.
No geral, os candidatos dão pouca atenção ao tema. Em Curitiba, Luciano Ducci (PSD) e Ney Leprevost (União Brasil) não citam as palavras aborto, gravidez ou gestante em seus programas. Eduardo Pimentel (PSD) sugere a criação de uma casa para gestantes em situação de rua, única proposta relativa ao tema. Os dois primeiros estão empatados em segundo lugar, segundo pesquisa Quaest, com 15% e 12% das intenções de voto, respectivamente. Pimentel lidera com 36%.
Em outras capitais da região Sul, as propostas relativas aos direitos reprodutivos e à maternidade são tímidas.
Em Florianópolis, dos três principais candidatos, apenas Marquito (PSOL) menciona algum projeto relativo ao universo da saúde reprodutiva feminina: a retomada da Rede Cegonha para acompanhamento de grávidas e mães, “tratando a gravidez infanto-juvenil com uma abordagem multissetorial”. Dário Berger (PSDB) pretende construir maternidades, mas não fala em gestantes especificamente, e Topázio Neto (PSD) não toca no tema.
O psolista e o psdbista estão em empate técnico no segundo lugar, com 14% e 15% das intenções de voto, respectivamente, segundo a Quaest. Topázio lidera com 43%.
Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que lidera a pesquisa Quaest de 17 de setembro com 41% das intenções de voto, não menciona planos para o aborto —nem para gestantes, gravidez, gestação e maternidade, palavras que não aparecem no programa de governo.
Juliana Brizola (PDT), que tem 17% das intenções de voto, também não. Assim como a petista Maria do Rosário, em segundo lugar com 24%.
Outra petista que evita o tema é Natalia Bonavides, que concorre em Natal, terceira colocada com 18% das intenções de voto. Ela não fala em aborto e menciona, sem dar detalhes, que pretende adotar ações para reduzir a mortalidade materna. A violência obstétrica entra como alvo de “campanhas de informação para a população em geral” e “ações de capacitação de profissionais”.
Na cidade, lidera Carlos Eduardo (PSD), com 41% das intenções de voto. Ele não cita a palavra aborto, gestante ou gravidez no plano de governo. Paulinho Freire (União Brasil), segundo colocado com 24% dos votos, também não cita nenhuma dessas palavras.
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