O Tribunal de Apelação de Frankfurt, na Alemanha, deu ganho de causa à empresa brasileira Silimed, em uma batalha que envolve as maiores fabricantes de silicones mamários do mundo. Em decisão inédita, o tribunal determinou que a Silimed é a única proprietária do método de fabricação de implantes mamários com revestimento de poliuretano. Não cabe mais recurso.
A Silimed, maior fabricante de implantes mamários da América Latina, exportadora para 80 países, acusa a concorrente alemã Polytech Health & Aesthetics de apropriação indevida de sua tecnologia protegida por segredo industrial.
A Polytech Health & Aesthetics não respondeu às solicitações para comentar sobre o caso.
Depois da decisão do Tribunal Regional de Apelação da Alemanha, os advogados das duas empresas agora calculam as indenizações e compensações financeiras que serão pedidas.
A Justiça deve levar em conta nesse cálculo os lucros obtidos pela Polytech com a tecnologia desde 2015 para calcular a indenização devida à Silimed. O montante final pode ultrapassar R$ 1,2 bilhão pelo câmbio atual.
“Esse desfecho é a prova de que é preciso respeitar a propriedade intelectual. Demonstra que a indústria nacional é reconhecidamente inovadora no mercado de transplantes e detentora de patentes”, comemora o advogado Roberto Rodrigues, do escritório RNA Law, representante da Silimed.
“Essa talvez seja a maior vitória na história, de uma empresa brasileira em caso de propriedade intelectual fora do Brasil. E ganhamos no país da concorrente”, salienta Rodrigues.
Para entender a dimensão dessa guerra, é preciso olhar para o tamanho da indústria das cirurgias estéticas. Este mercado movimenta mais de R$ 15 bilhões anuais globalmente. Silimed e Pooytech respondem por R$ 6 bilhões dessas vendas.
O número de intervenções estéticas (cirúrgicas e não cirúrgicas) em todos os continentes aumenta consideravelmente todos os anos, desde a pandemia de covid, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS).
Em 2023, 35 milhões de intervenções foram realizadas, um aumento de 3,4% em relação ao ano anterior. Lipoaspiração é o procedimento mais comum, seguido do aumento dos seios. O Brasil é o segundo país com maior número de procedimentos no mundo, atrás dos EUA.
De olho no crescimento desse mercado, as duas empresas travam uma batalha judicial há mais de uma década. O caso remonta aos anos 90. Em 1992, a Silimed iniciou uma parceria com a Polytech, para distribuição na Alemanha e, três anos mais tarde, no resto da Europa.
Para que os produtos da Silimed fossem aceitos na Europa, era preciso que a dupla obtivesse uma certificação (CE) junto às autoridades do mercado. Para conseguir isso, a Polytech, na condição de distribuidora dos produtos Silimed, teve acesso à tecnologia utilizada pela empresa brasileira na fabricação de implantes mamários revestidos de poliuretano, material que oferece maior aderência da prótese à mama.
As relações entre as duas empresas começaram então a se deteriorar em 2007, após o final dessa parceria de distribuição. De posse dessas informações confidenciais de produção, a Polytech realizou pedidos de patentes no dinâmico mercado do Brasil, em 2011, para proteger o método de produção dos implantes revestidos de poliuretano, o que levou à primeira acusação formal pela Silimed.
A disputa na Justiça teve início em 2017 e levou a desdobramentos em várias frentes. Dentre elas, além do caso no Tribunal de Apelação de Frankfurt, um processo na Justiça brasileira ainda está em fase de instrução e outro litígio em curso no Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, que já deu primeiro ganho de causa à Silimed, diante dos indícios de roubo de segredo industrial e de informações confidenciais.
No caso do procedimento arbitral, discussões em audiências indicam que as compensações podem ultrapassar os R$ 100 milhões.
Somente a Silimed e a Polytech produzem esse tipo de prótese em larga escala no mercado.
Um ex-diretor da empresa alemã sugeriu à Folha que funcionários da Polytech com acesso ao dossiê, podem ter sido tentados a verificar as informações de produção da Silimed durante a parceria entre as duas, embora não tenha afirmado que a Polytech adotou essa prática. Ele destacou que, após o final da parceria com a Silimed, a empresa investiu em pesquisa e desenvolvimento para aplicar todo o conhecimento necessário no avanço dos implantes fabricados.
Os valores astronômicos preocupam investidores do setor e pacientes receosos do impacto nas finanças da Polytech e no setor. Mas, um ex-diretor financeiro da Polytech, também sob condição de anonimato, minimizou os impactos financeiros na empresa alemã em decorrência dos valores elevados de indenização.
Ele aponta à Folha que a Polytech conta com o suporte do fundo alemão de private equity Deutsche Beteiligungs AG, que dispõe de recursos substanciais para se manter na briga e elimar os riscos para a Polytech, em razão da disputa.
ara os advogados da empresa brasileira, o efeito colateral imediato é positivo. “Esse resultado favorece a Silimed, que é uma das maiores produtoras de implantes mamários do mundo. A Justiça alemã privilegiou a empresa inovadora e não a que roubou a tecnologia. A consequência para a população no geral é que a Justiça reforça o papel e a responsabilidade de quem emprega pesquisa e tecnologia para ser uma das líderes no mercado”, esclarece o advogado Roberto Rodrigues.