Na minha última coluna, mostrei como a China sacudiu o Vale do Silício ao lançar o DeepSeek, um modelo de código-aberto com desempenho próximo ao do ChatGPT, mas a um custo muito menor. O Brasil está em busca de desenvolver sua própria IA, então é hora de olhar para o fenômeno chinês e entendermos quais lições podemos tirar disso tudo, especialmente sobre a estratégia de desenvolvimento de modelos abertos.
O Plano Brasileiro de IA (PBIA), apresentado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação busca levar o país a um novo patamar de desenvolvimento e adoção da Inteligência Artificial. Com um orçamento de R$ 23 milhões em quatro anos –superando Alemanha, França e Reino Unido no mesmo período– o governo planeja implementar iniciativas de curto e médio prazo.
Uma das ações é fomentar o desenvolvimento de uma IA baseada em dados nacionais, com foco em português. Embora muitas pessoas critiquem essa estratégia, defendo que precisamos focar no desenvolvimento de alternativas locais por várias razões.
Ainda que os modelos comerciais atuais, como o ChatGPT, conversem na nossa língua, muitas vezes o resultado é um processo de tradução que pode abafar características da nossa cultura e limitar o uso da IA para algumas tarefas. Outro desafio está relacionado com a soberania digital. Fomentar o desenvolvimento de modelos locais é estratégico para criar caminhos que diminuam a dependência tecnologia e assimetria de poder.
A grande questão, porém, é: como podemos desenvolver uma IA nacional? Essa foi a pergunta que fiz à ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, durante sua participação no podcast “Deu Tilt”. segundo a ministra, o processo ainda está em fase de definição, mas a proposta é que tudo seja estruturado por meio de editais.
Este é um momento decisivo em que o Brasil poderá escolher um caminho para incentivar uma inovação verdadeiramente aberta para a IA. Defendo que os investimentos sejam orientados para projetos que priorizem o desenvolvimento de modelos de código aberto.
Quando desenvolvemos um software podemos escolher deixar o código fechado, sem que ninguém tenha acesso ou possa modificá-lo. Mas existe a opção de liberá-lo para que a comunidade possa fazer melhorias.
O ChatGPT é o grande exemplo de uma IA proprietária. Embora tenha sido desenvolvida com base em uma arquitetura aberta, ninguém tem acesso ao seu código, nem informações sobre os dados de treinamento. O que podemos fazer é simplesmente usá-la como usuário final ou por meio de APIs.
Hoje, existem diversos modelos de código aberto que competem diretamente com IAs proprietárias, oferecendo a vantagem de serem customizáveis para atender às especificidades locais, além de apresentarem custos mais baixos. O Llama, modelo de código aberto da Meta, já soma mais de 600 milhões de downloads. Outros destaques são o Qwen, da Alibaba Cloud, e o famoso DeepSeek, modelos chineses que estão revolucionando a IA.
Se o Brasil escolher o caminho de investir em IAs proprietárias perderá a oportunidade de fomentar um ecossistema colaborativo entre empresas, academia e governo para impulsionar ainda mais o desenvolvimento local.
Quando adotamos uma abordagem de código aberto, toda a comunidade ganha. São milhares de desenvolvedores que podem trabalhar em cima do mesmo código, resolvendo bugs e melhorando suas funcionalidades. Desta maneira, a experiência e o conhecimento tácito circulam entre muitas mentes na mesma região.
Portugal anunciou a AMÁLIA, uma IA com foco em português europeu que será aberta e gratuita. Singapura tem o SEA-LION, um modelo aberto com foco nas línguas asiáticas. Seguir o mesmo caminho no Brasil tem o potencial de reunir talentos, fomentar a inovação e reduzir as desigualdades tecnológicas, sem depender apenas de uma ou poucas empresas com softwares proprietários. É todo o ecossistema que ganha.