Há duas cartas, ou dois manifestos, em defesa da democracia que têm mobilizado muita gente. Nem um nem outro trazem a assinatura do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que preferiu redigir seu próprio texto, que veio a público nesta segunda. Uma coisa e outra — a omissão e a manifestação — entram para a história da infâmia no Brasil.
Tanto o documento “Carta das Brasileiras e dos Brasileiros em Defesa do Estado de Direito”, que nasceu na Faculdade de Direito da USP e que não tardará a alcançar um milhão de assinaturas, devidamente certificadas, como “Em Defesa da Democracia e da Justiça”— que conta com as respectivas assinaturas de entidades empresariais, sindicais e de defesa da Justiça e dos direitos humanos — nada têm de partidário. Não se opõem a quem quer que seja — exceto aos que se conjuram em favor de um golpe de estado e contra o pacto democrático. Assim, um documento e outro só afastam os que deles se afastam, apartando-se de uma sociedade livre e pluralista.
Assim, quando aqueles dois documentos, que já nasceram históricos, tiverem seu momento solene de leitura no dia 11 de agosto — aniversário da criação dos cursos jurídicos no Brasil —, a ausência mais estúpida será justamente a do Conselho Federal da OAB.
Segue o texto que a Ordem publicou nesta segunda. Volto em seguida.
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A história de 92 anos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se confunde com a defesa da democracia em nosso país. Maior instituição civil brasileira, com quase 1,3 milhão de inscritos, a Ordem seguirá cumprindo com as missões que lhe são atribuídas pela Constituição Federal: representar a advocacia e ser guardiã do Estado Democrático de Direito.
Continuaremos a defender os direitos e garantias individuais, o modelo federativo, a divisão e a harmonia entre os Poderes da República, e o voto secreto, periódico e universal. Nossa atuação para que esses ideais se concretizem é comprovada por diversas ações, como o acompanhamento sistemático de todos os processos eleitorais, inclusive o deste ano, desde o início da organização do pleito até a posse de todas e de todos os eleitos.
O papel da OAB nas eleições é, como representante da sociedade civil, acompanhar o processo junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e demais órgãos eleitorais. Pugnamos por eleições limpas, livres, com a prevalência da vontade expressa pelo eleitorado por meio do voto — o que vale para todos os cargos em disputa.
A OAB não é apoiadora ou opositora de governos, partidos e candidatos. Nossa autonomia crítica assegura credibilidade e força para nossas ações de amparo e intransigente defesa ao Estado Democrático de Direito.
Defendemos e protegemos a democracia. Temos orgulho e confiança no modelo do sistema eleitoral de nosso país, conduzido de forma exemplar pela Justiça Eleitoral. O Brasil conta com a OAB para zelar pelo respeito à Constituição, afastando riscos de rupturas democráticas e com a preservação das instituições e dos Poderes da República.
Esse é o compromisso verdadeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, de sua diretoria nacional e de seus conselheiros federais, do Colégio de Presidentes de Seccionais e de membros honorários vitalícios.
Viva o Brasil, viva a democracia.
Beto Simonetti – Presidente da OAB Nacional
Diretoria da OAB Nacional
Membros Honorários Vitalícios da OAB
Conselheiros Federais da OAB
Colégio de Presidentes de Seccionais
COMENTO
Trata-se de um texto mixuruca, preguiçoso, vincado pela fraqueza moral. Transforma a defesa do regime democrático numa espécie de burocracia do carimbo. Se o Brasil dependesse do atual comando da OAB “para zelar pelo respeito à Constituição”, terminaríamos todos na cadeia, depois das “rupturas democráticas”; com as “instituições e os Poderes da República” sob os tanques, ornados estes pela retórica oca dos covardes.
O que quer dizer “defendemos e protegemos a democracia” quando não se comparece, então, à arena onde essa defesa se faz efetivamente? Conhecemos os homens e as instituições por sua obra, não pelas declarações que fazem sobre si mesmos, num exercício de cabotinismo, de presunção, de vaidade injustificada.
A propósito: o que o atual Conselho Federal da OAB tem efetivamente feito que justifique dizer sobre si mesma: “Defendemos e protegemos a democracia”? Que gente é essa incapaz de assinar um documento que junta as centrais sindicais, a UNE, a Fiesp, a Febraban e a Fecomercio?
Olhem para a população brasileira, senhores da OAB, e recitem comigo, para lembrar a pena de Castro Alves, um franciscano:
“Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?”
Afirma o texto da OAB:
“A OAB não é apoiadora ou opositora de governos, partidos e candidatos. Nossa autonomia crítica assegura credibilidade e força para nossas ações de amparo e intransigente defesa ao Estado Democrático de Direito.”
Fica a clara sugestão, então, de que a OAB não assinou os outros dois textos porque trariam, então, um viés partidário, o que é escandalosamente mentiroso. A memória de Raymundo Faoro, que tinha a coragem de defender a democracia na ditadura, se escandaliza com aqueles que, na democracia, mostram-se incapazes de efetivamente se alinhar contra tentações ditatoriais.
A OAB tem um símbolo, tem uma bandeira. Mais uma vez recorrerei ao franciscano Castro Alves de Navio Negreiro. Ele se referia à então Bandeira do Brasil. Eu me refiro à da Ordem:
“Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…”
A democracia vencerá. Apesar do Conselho Federal da OAB, cuja bandeira não nos servirá de mortalha.