Até que, em 1991, dois artistas clamaram a autoria dos desenhos. A um jornal britânico, os amigos Doug Bower e Dave Chorley revelaram ter feito mais de 200 deles na última década, usando tábuas e pedaços de cordas. As tábuas eram usadas para amassar a plantação, enquanto as cordas asseguram que os movimentos sejam mais precisos, para deixar imagens mais bonitas.
Um ano depois, foi organizado no país um concurso de círculos nas colheitas (do inglês “crop circles”), outro nome dado aos agroglifos. A competição contou com o apoio dos jornais The Guardian e The Cerealogist, além de uma revista científica alemã.
Entre os participantes estavam estudantes da Universidade de Cambridge, alunos de uma escola local e até uma dupla de mulheres acompanhada de um cão de montanha dos Pirineus, que havia sido treinado especialmente para puxar tábuas.
“O experimento foi conclusivo. Os humanos podiam de fato criar todos os padrões presentes nos círculos de colheita da época; 11 dos 12 times conseguiram formações razoavelmente impressionantes que seguiam o design proposto”, diz um dos organizadores da competição em uma publicação de 2010.
Ainda assim, os agroglifos continuam a intrigar e fornecer combustível para a imaginação humana. Nesta semana, a cidade de Ipuaçu, no interior de Santa Catarina, se deparou com enormes formas geométricas desenhadas em um campo de trigo, que foram fotografadas e postadas nas redes sociais.
Não é a primeira vez que algo assim acontece no Estado: só em Ipuaçu, os agroglifos já foram avistados pelo menos outras quatro vezes desde 2008, segundo a prefeitura.
As imagens dos círculos nas colheitas não representam nada conhecido, o que acrescenta uma aura de mistério aos desenhos. Desde que o primeiro agroglifo foi encontrado no município catarinense, em 2008, a cidade de pouco mais de 7 mil habitantes se tornou destino de ufólogos, que atribuem as gravuras à atividade de seres extraterrestres.
Segundo a prefeitura, Ipuaçu ficou conhecida como a “cidade dos ETs”. As imagens registradas em diferentes anos variam de tamanho, medindo de entre 19 e 44 metros.
Ação extraterrestre?
Entre especialistas de várias áreas, é difícil encontrar quem corrobore a hipótese dos extraterrestres artistas, que deixam desenhos em áreas rurais do interior do Brasil. Segundo Adolfo Stotz Neto, astrônomo e presidente do Grupo de Estudos de Astronomia (GEA) da Universidade Federal de Santa Catarina, a técnica usada por Bower e Chorley nos anos 1980 segue sendo utilizada para a criação dos recortes nas plantações.
O historiador Hernan Mostajo se encantou com a ufologia quando era adolescente, e foi justamente a imagem de agroglifo que viu na capa de uma revista que o fez mergulhar nesse universo, que hoje considera “mais fantasioso do que realista”. “A ufologia vem sendo tratada há décadas com muitas invencionices, muitos achismos, voltada ao conspiracionismo e com poucos méritos científicos”, pontua ele, diretor do Museu Internacional de Ufologia, História e Ciência, que fica em Itaara (RS).
Ele destaca que não se trata de negar a existência de extraterrestres. “Temos uma imensa possibilidade de um universo repleto de outras vidas, o novo telescópio James Webb está mostrando a atmosfera de planetas extrassolares em que são promissoras as possibilidades de vida. Mas a grande questão é: será que essa vida é tão inteligente que possa chegar aqui na Terra?”
O mesmo questionamento é feito pelo professor Adolfo Stotz Neto, que explica que, para que um ser de outro sistema astronômico pudesse chegar até aqui, ele precisaria enfrentar uma viagem de cerca de 50 trilhões de quilômetros, que poderia levar até 600 mil anos. “Se você tem tecnologia para isso e um corpo que consiga resistir à viagem, por que iria deixar um desenho em uma plantação de trigo e ir embora?”, pergunta.
Estado de acamamento
Além da ação humana deliberada, existem processos naturais que podem causar o achatamento de colheitas. O fenômeno se chama acamamento, caracterizado pela queda ou pelo arqueamento das plantas. Segundo o agrônomo Luiz Henrique Skodowski, ele pode estar relacionado com o crescimento da planta ou por influência de diferentes fatores. “A planta, quando cresce demais, tomba por exemplo com a incidência de chuvas fortes e vento. São condições que ‘forçam’ ela a acamar”, esclarece.
Outras dessas condições são características genéticas da vegetação, como a espessura do caule; a resistência de suas bainhas (a parte que liga a folha ao caule); a altura e o peso de sua parte superior; formas de manejo e características da produção. Nas variáveis que dizem respeito à produção, o agrônomo cita a quantidade de plantas por metro, já que quanto mais numerosas, mais elas precisam se esticar para obter luz solar; a quantidade de raízes que dão sustentação à cultura e o suporte populacional, que ocorre quando uma planta “segura” a outra.
Para quem olha, o acamamento parece ter sido feito pela força de um agente externo, mas se trata de um estado que gera um achatamento aleatório que pode criar vários tipos de padrão na plantação, como círculos e linhas que se assemelham a um labirinto. Isso diferencia os desenhos causados naturalmente dos que aparecem em Ipuaçu, por exemplo. “Esses casos em específico, em que as formações são geometricamente perfeitas, são considerados ações manuais”, destaca Skodowski.
Para o astrônomo Adolfo Stotz Neto, outro pontos se somam à conclusão de que os agroglifos são obra humana: primeiro, as imagens são feitas sempre em plantações de grãos e cereais como o trigo e a cevada, que são fáceis de esmagar e não voltam para suas posições originais.
O historiador Hernan Mostajo, que já realizou estudos em Ipuaçu na ocasião do aparecimento de outros agroglifos, acrescenta mais um: a ausência de alguma radioatividade no solo ou modificações na estrutura dos vegetais: “Se houvesse algo supostamente extraterrestre na Terra, talvez ele trouxesse uma radiação diferente da radiação natural terrestre, tanto no vegetal quanto no solo”.
Mas a única mudança observada na cidade foi o achatamento da colheita. “Algo que qualquer ser humano pode fazer tranquilamente”, argumenta.