Divulgar e compartilhar fotos íntimas sem autorização é crime. Mulher que deu nome a lei teve imagens compartilhadas 7 milhões de vezes. Professora de dança foi exposta por colega. ‘Violentada a cada clique’, vítimas contam consequências da pornografia de revanche
“Ele quis me aniquilar mesmo. Ele me queimou viva, provocou uma morte civil”. A frase é usada por uma vítima de um tipo de crime pouco discutido: a pornografia de vingança ou de revanche, o “porn revenge”, em inglês.
Rose Leonel, a autora da frase, foi alvo dessa violência entre 2005 e 2013. O ex-companheiro da apresentadora compartilhou diversas fotos íntimas feitas durante o relacionamento.
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Quando não havia mais imagens novas para divulgar, ele começou a fazer edições para incluí-la em cenas de filmes pornô, o chamado deepfake.
Durante os sete anos de perseguição, Rose teve a sua intimidade compartilhada 7 milhões de vezes, inclusive em outros países, apontou a perícia. O criminoso chegou distribuir CDs com as imagens na rua.
Ela perdeu o emprego. Os filhos foram alvos de bullying e ela decidiu mandar um deles morar com o pai no exterior. Em 2013, após a condenação por calúnia e difamação, a pena do criminoso foi pagar uma multa de R$ 30 mil.
Mas foi por causa de Rose que registrar imagens íntimas sem autorização virou crime no Código Penal, no final de 2018. Outra lei da mesma época criminaliza a divulgação sem consentimento.
São elas:
lei Rose Leonel (13.772/18): considera crime o “registro não autorizado da intimidade sexual”; punição é seis meses a 1 ano de detenção;
lei 13.718/18: criminaliza a “divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia sem consentimento”, inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão. Ela prevê agravamento da pena se o autor mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação, o que caracteriza a “pornografia de revanche”.
Apesar de as leis previrem prisão, o mais comum no Brasil ainda é que a questão seja resolvida com multas ou trabalho voluntário, afirma a advogada Iolanda Garay, presidente da Associação Nacional das Vítimas de Internet (Anvint).
“Mas é muito importante que a vítima compreenda que, mesmo ele (o criminoso) não sendo preso, ele estará respondendo e isso pode implicar uma série de consequências negativas para ele”, completa Iolanda.
Na “pornografia de revanche”, o objetivo principal do agressor é causar vergonha à vítima, além de haver a quebra de confiança, explica a advogada.
As imagens usadas nesse crime podem também ser montagens com o rosto da vítima, como o que aconteceu com a Rose Leonel. “70% do que foi para a internet eram montagens dele”, diz ela.
Apesar de serem mais comuns os casos envolvendo mulheres e ex-companheiros, o crime pode acontecer com qualquer gênero. E o agressor pode ser um pai e até mesmo uma amiga, explica a advogada.
Duas vítimas, além de Rose, relataram ao g1 o sofrimento de serem vítimas de pornografia de revanche. Conheça as histórias abaixo.
Colega de trabalho expôs as fotos
A professora de dança Rhuanna Nurrelly, de Garanhuns (PE), foi vítima de exposição de imagem íntima em 2014. O caso dela é um pouco diferente: quem tornou as imagens públicas foi uma colega de trabalho.
Um ex-namorado de Rhuanna compartilhava as fotos dela com um amigo que, por sua vez, namorava essa colega de trabalho.
O amigo do namorado de Rhuanna enviava mensagens assediando a professora. Ao saber disso, a colega ficou com ciúmes e resolveu publicar as imagens no Facebook.
“No momento que eu vi, que eu recebi a notícia, foi um baque. Você não espera que o seu momento de troca de confiança seja aberto para todas as pessoas. Então, é um soco no estômago. Não há explicação do sentimento de dor e de vergonha”, conta Rhuanna.
“Vem toda a questão profissional, todo o contexto familiar. Você pensa nas suas relações futuras, que está tudo acabado. Então, é realmente aquele momento em que você olha para o lado e não vê saída”, completa.
Após o ataque, Rhuanna foi afastada do trabalho. A divulgação ocorreu quando ela estava começando um novo namoro, que acabou após o rapaz não se sentir confortável em se relacionar com alguém que tem fotos íntimas públicas.
Com a divulgação do caso na imprensa, a ex-colega teve que deixar a cidade. Desencorajada pelo advogado, Rhuanna não quis procurar a Justiça.
“As palavras que eu recebi do advogado eram que realmente não iria dar em nada. Que iria levar anos”, lembra. “O máximo que eu iria conseguir, se conseguisse alguma coisa, era que a pessoa, sendo descoberta, iria pagar cestas básicas ou um trabalho voluntário por meses, mas que isso só iria me trazer de novo à tona essa visibilidade ruim”.
Mas ela decidiu fazer um ensaio fotográfico sensual para mostrar o corpo ao seu modo.
8 anos sendo ameaçada
Joana* é perseguida virtualmente pelo seu ex-namorado e sofreu diversas ameaças por mais de oito anos. Já foi agredida fisicamente e teme que ele divulgue as imagens que trocavam, considerando que ele publicou fotos de suas ex-namoradas em sites pornôs. Quando ela descobriu este histórico, terminou a relação.
“Até hoje eu convivo com medo desse conteúdo vazar. Eu vivi esses anos todos acuada e com medo. Isso afetou minha vida profissional e conjugal, destruiu a minha última relação e como eu transferi isso nesta figura do agressor para meu companheiro na época”, conta Joana*.
“Eu tenho certeza de que eu não colaborei para que essas coisas pudessem acontecer comigo. Eu não permiti que ele filmasse a gente no ato sexual e todas as vezes que a gente trocava imagens eu pedia para ele apagar. Eu trabalhei com a confiança nisso”, relata.
Esse tipo de situação, de terror psicológico gerado pelas ameaças à vítima, pode ser enquadrada na Lei Maria da Penha, segundo advogados.
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Joana teve até que tomar remédio para problemas psicológicos, já que sentia que seu ex-namorado a atacaria a qualquer momento. O caso ainda segue na Justiça.
Iolanda explica qual a sensação das vítimas: “Esse agressor, ele vira um super-herói. É uma coisa fora do normal, né? Ele vira uma pessoa com plenos poderes”.
Entre as consequências para as vítimas, essa violência pode causar:
depressão;
fobias;
transtorno alimentar.
Rose Leonel foi entrevistada pelo Globo Repórter, em 2013:
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Vítimas silenciadas
A maioria das vítimas desses crimes são mulheres que não se sentem confortáveis em denunciar, diz Iolanda.
“Eu fui revitimizada na delegacia, sofria discriminação, preconceito. Aquela velha história de que ‘em briga de marido e mulher, a gente não mete a colher’. ‘Está brigando aí, daqui a pouco está junto. Vai voltar’. Então são conversas machistas que eu ouvia o tempo todo”, lembra Rose Leonel.
“Esse crime de divulgação de imagem íntima não autorizada tem uma similaridade com o estupro, onde a mulher é culpabilizada”, afirma.
Por causa disso, “a vítima só busca apoio quando, de fato, o negócio não tem mais o que fazer. Quando ela já não está suportando mais tamanha violência”, explica a advogada Mariana Tripode, que tem registrado um aumento no número de clientes para casos envolvendo o crime.
O nome Joana* é fictício.
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