Um dos filmes menos conhecidos do grandioso cineasta espanhol Pedro Almodóvar é “Julieta”. O filme enigmático lançado em 2016 teve seu lançamento abafado à época, porque o nome do diretor estava atrelado ao Panama Papers, um escândalo de corrupção envolvendo crimes como evasão fiscal. Até hoje não se sabe ao certo da participação de Almodóvar e seu irmão, Augustín, no caso. Mas independente de sua vida particular, há poucos artistas tão autênticos e desbravadores como ele nos dias de hoje. Há uma paixão e uma bravura em seu trabalho que é difícil encontrar.
“Julieta” se chamaria “Silêncio” e seu roteiro original era em inglês, mas alguns eventos mudaram seu percurso. Primeiro, Almodóvar se sentiu inseguro de gravar seu filme nos Estados Unidos, por ser um lugar que não conhecia tão bem quanto a Espanha. Também o fato de não ser tão ambientado à língua inglesa. Além disso, na mesma época, Martin Scorsese lançou um longa-metragem chamado “Silêncio”. Almodóvar não quis provocar confusão na cabeça das pessoas e decidiu trocar o nome de seu filme.
Julieta é o nome da protagonista, interpretada pelas atrizes Emma Suárez e Adriana Ugarte em diferentes épocas de sua vida. O drama recheado de suspense se passa em várias linhas temporais. No passado, é Ugarte que vive Julieta, uma jovem professora de literatura que conhece o charmoso pescador Xoan (Daniel Grao) em um trem. Eles vivem um romance tórrido e quando Julieta engravida de Antía (Priscilla Delgado e Blanca Parés), ela deixa sua cidade e sua carreira para trás para viver com Xoan, na pequena vila litorânea onde ele mora.
Lá ela conhece Ava (Inma Cuesta), uma artista plástica que se torna sua confidente e melhor amiga. Elas passam anos desfrutando da companhia uma da outra, até que um dia, quando Antía já é adolescente, Julieta descobre que Xoan tem um caso com Ava. Antía está em um acampamento de férias e não presencia o ocorrido. Julieta e Xoan discutem por causa das traições e, nervoso, ele sai para pescar. No mesmo dia, uma tempestade atinge o local e o barco dele desaparece. Depois, seu corpo é encontrado.
Julieta, claro, fica arrasada com a morte repentina de seu marido, ocorrida em meio a uma crise de sua relação. A filha, Antía, e a melhor amiga da menina, Bea (Michelle Jenner), ajudam Julieta a atravessar os estágios mais duros de seu luto. Nos anos seguintes, Julieta dedica sua vida à filha adolescente. Quando Antía completa 18 anos, decide partir para um retiro espiritual. E é aí que começa o mistério. Três meses depois da filha ficar incomunicável, Julieta decide procurá-la no tal retiro e descobre que ela não está mais lá. Antía partiu e, inexplicavelmente, não quer mais contato com a mãe. Julieta passa os dias investigando os motivos que levaram a jovem a desaparecer.
Uma das maiores habilidades de Almodóvar é penetrar tão bem na mente feminina. É como se ele próprio soubesse das dores de ser mulher, uma esposa, uma mãe. Suas protagonistas, sempre mulheres, são inspiradas em pessoas comuns. As personagens do cineasta são sempre tão reais e sinceras, que parecem ter saído de dentro de nossa própria casa. Se assemelham com nossas mães, tias, vizinhas.
O estilo de Almodóvar é inconfundível. É comum perceber seu uso de cores fortes, especialmente o vermelho, e identificar obras famosas de artistas, como o roupão de Julieta que se assemelha às roupas da pintura “O Beijo”, de Gustav Klimt. Há uma sensibilidade dramática em seu estilo, que nos lembra bastante as novelas brasileiras. Seus enredos são tão cheios de personagens e reviravoltas, que parecem mais longos do que realmente são. Há também uma enorme complexidade em seus personagens. É como se cada um fosse um universo a ser explorado à parte. Sem dúvidas, Almodóvar é um gênio e “Julieta” está na lista como um de seus grandes filmes.
Filme: Julieta
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 2016
Gênero: Drama / Romance / Mistério
Nota: 9/10