Crítica | Atiraram no Pianista – Festival do Rio 2023 abre com Animação Sobre Desaparecimento de Músico da Bossa Nova – Zonatti Apps

Crítica | Atiraram no Pianista – Festival do Rio 2023 abre com Animação Sobre Desaparecimento de Músico da Bossa Nova

Não importa quanto tempo passe: enquanto toda a verdade sobre os desaparecimentos ocorridos durante o período da ditadura na América Latina não for revelada, nós continuaremos a nos surpreender com histórias bizarras que vêm à tona de repente, à medida que se descobre novos elementos. Durante os anos de chumbo a perseguição a todo tipo de gente, principalmente artistas, fez com que muitos deles se isolassem em outros países ou reprimissem suas demonstrações artísticas. Outros, entretanto, os paradeiros se tornaram incertos após serem capturados pela imposição militar. Na ausência da verdade completa, entra a ficção para suprir os dados faltantes. Uma dessas histórias foi escolhida para ser o filme de abertura do Festival do Rio 2023, com o longa de animaçãoAtiraram no Pianista’.

Jeff Harris (na voz original de Jeff Goldblum) é um crítico musical de um importante jornal de Nova York. Um dia, ao ouvir um disco, ele percebe a técnica de um pianista que ele nunca tinha ouvido falar antes, mas cuja prática faz seus ouvidos despertarem para algo novo. Tratava-se de Tenório Júnior, importante pianista da Bossa Nova que tocou com nomes como Vinícius de Moraes e Toquinho. Ao perguntar aqui e ali Jeff descobre uma terrível verdade: o homem desaparecera sem deixar rastro. Intrigado com o talento e o mistério dessa história o jornalista, que inicialmente fora contratado para escrever um livro sobre a Bossa Nova nos Estados Unidos, mergulha de cabeça no universo sombrio das verdades até hoje ocultas da época da ditadura.

Das mentes criativas indicadas ao Oscar de melhor animação em 1992, Javier Mariscal e Fernando Trueba, ‘Atiraram no Pianista’ parte de uma premissa interessante e tem uma boa intenção, mas se perde no caminho tentando abraçar tantas frentes e tantos gêneros. O roteiro de Fernando Trueba começa com ares de ficção, partindo do jornalista que queria publicar um livro; dessa investigação, inicia-se uma pesquisa de campo desse personagem até o Brasil, no maior estilo documental, incluindo entrevistas com personalidades famosas (como Gilberto Gil, Chico Buarque, Toquinho, entre outros) e pessoas desconhecidas que conheciam Tenório; já para o arco final o longa abraça mais o estilo narrativo do suspense policial noir, com o clima mais pesado e suspeitoso; tudo isso apresentado sob a estética da animação, o que, de certa forma, ajuda a preservar a imagem real dos depoentes, sem, com isso, perder o conteúdo falado.

Atiraram no Pianista’ começa com cores muito vibrantes e um clima bastante festivo de um Rio de Janeiro contemporâneo e receptivo bem do estilo exportação, com o protagonista passeando pelas ruas de Copacabana alternando o presente e o passado, contando os primórdios da Bossa Nova pelos bares do Beco das Garrafas. Esse início é cativante, mas logo começa a pesquisa de campo do protagonista, com intermináveis entrevistas com tanta gente, que cansa. O arco final, mais obscuro e enveredado para o suspense, volta a captar a atenção do espectador, tendo podido ser este o foco primordial do longa.

Esteticamente bonito e colorido, ‘Atiraram no Pianista’ traz o olhar do estrangeiro descobrindo o Brasil e nossa musicalidade, apresentando-a para o resto do mundo, que talvez não se lembre das origens da Bossa Nova, no final das contas. Mesmo com o amargo da verdade, uma vez que é baseado numa história real, e com estreia no circuito prevista para o fim do mês de outubro, foi acertada a escolha do longa para abertura do Festival do Rio 2023, que, pela primeira vez, teve um longa de animação na sua primeira noite de evento.

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