Há filmes difíceis de classificar. Seja por uma escolha que o diretor faz de modo consciente, traduzindo de maneira idiossincrásica demais o roteiro que chega-lhe às mãos, seja por esse diretor não entender a natureza do material que passa a decupar e o resultado ser uma geleia geral que tanto pode apetecer como causar enjoo, o fato é que certas histórias, socorridas por um acaso generoso — situação ainda mais anômala —, saem muito melhor que a encomenda. Ao que “Todo Mundo em Pânico” (2000) tem de sátira, “Todo Mundo em Pânico 2” responde com escracho (e mais sátira), o que depois do suspense farsesco das cenas de abertura vem a ser um poderoso alívio. Keenen Ivory Wayans não se cansa de provocar o público com seu slasher farofa ao passo que encadeia uma paródia de clássicos do terror dito sério atrás da outra, o que invalida muito dos esforços iniciais quanto a sacudir a pasmaceira do gênero. No fundo, Wayans, que reúne alguns integrantes do clã na empreitada, sabe que não é exatamente sagaz se querer demolir todo o edifício para instalar uma janela maior, mas vai em frente em sua sanha por reparação, seja lá o que isso signifique nesse contexto.
Passado um ano, o diretor e seus sete roteiristas voltam para mais 83 minutos em que reservam farpas para muitas categorias do tal sistema — convenientemente deixando de lado a evidência de que também fazem parte dele. O padre Harris e a senhora Voorhess, os personagens de Andy Richter e Veronica Cartwright, bebem conhaque junto com boa fração do elenco, até que a preferência musical dos convivas muda drasticamente, a primeira das blagues de crítica social empregadas por Wayans. É esse um quase óbvio prólogo à imitação jocosa para “O Exorcista” (1973), a emblemática versão de William Friedkin (1935-2023) para a novela de William Peter Blatty (1928-2017), um verdadeiro manancial de ataques raivosos à Igreja e uma bem-elaborada crônica sobre as fraquezas dos homens e os expedientes tortos de que faz uso para contorná-las. Nesse momento, James Woods na pele do padre McFeely e Natasha Lyonne como Megan reforçam o time e passam a trama a uma mistura de humor macabro com gore, e por seu turno, essa evidente relação com sangue, eventos funestos, morte, ligam-se às atividades mais prosaicas do elenco de apoio, o que degringola na carnificina que complementa o que ocorre no longa que inaugura a série.
Anna Faris, finalmente, desencanta. Sua Cindy Campbell destaca-se muito mais que no primeiro filme, trazendo à cena a chance das piadas de cunho misógino e racista com as quais o diretor põe o dedo nas chagas da intolerância e da desigualdade, o que resta notório na paródia da versão de McG para “As Panteras” (2000), por exemplo. No mais, “Todo Mundo em Pânico 2” reproduz arcaicíssimos lugares-comuns de produções congêneres, o que deixa de transmitir um recado, à indústria e ao público.
Filme: Todo Mundo em Pânico 2
Direção: Keenen Ivory Wayans
Ano: 2001
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10