Fãs da cantora Taylor Swift que acompanharam os shows no Rio de Janeiro reclamam que a equipe médica distribuiu remédios como Rivotril (clonazepan) para quem desmaiou, sentiu-se nervoso e até mesmo indisposto entre os dias 17 e 20 da última semana.
Benzodiazepínico tarja preta, o remédio é administrado durante crises de pânico e para induzir o sono — somente sob prescrição médica. Usado em casos de desidratação, segundo o médico Fernando Tallo, pode piorar o quadro.
A influenciadora Bel Rodrigues, 29, diz ter sido medicada com Rivotril quando estava passando mal de calor e sede. Maria Eduarda Leite, 21, afirma que recebeu o calmante Diazepam (também benzodiazepínico) quando se assustou com o arrastão no sábado (18). O engenheiro civil Yan Corrêa, 30, diz ter dormido durante toda a metade final do show após ser atendido no posto de emergência na sexta-feira (17).
Este mesmo dia foi marcado pela morte da fã Ana Clara Benevides, 23 anos, após passar mal durante a apresentação da cantora no Estádio Nilton Santos. Ela foi socorrida ao Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, mas teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
A empresa Vida UTI, que geralmente atende o estádio Nilton Santos (Engenhão) e trabalhou nos shows, diz que não utiliza clonazepam (princípio ativo do Rivotril), mas não negou o uso de calmantes benzodiazepínicos como o Diazepam.
“Considerando que foram atendidos mais de 1.800 pacientes, o uso de medicamentos controlados não passou de 1% dos atendimentos”, escrevem os diretores médicos Agnelo Quintela e Rogerio Casemiro em mensagem por e-mail.
Questionados diretamente sobre as chances de um remédio sublingual administrado para o público ter sido Rivotril, responderam que não é a praxe.
“Eu disse que deslocaram meu ombro, desmaiei e fiquei nervoso. Pegaram um Rivotril, falaram ‘abre a boca e levanta a língua’”, conta Yan Corrêa. O engenheiro chegou às 9h no show do dia 17 e começou a passar mal assim que chegou na pista premium. Ele aguentou até o momento em que a cantora Taylor Swift pediu para distribuírem água para os fãs.
Na movimentação do público que passava mal, Yan machucou o ombro. Logo depois, desmaiou. Segundo ele, além do Rivotril, recebeu duas injeções. Após ser liberado, dormiu o resto do show ao lado do bar do palco.
O médico Fernando Tallo, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Urgência e Emergência, afirma que não é comum administrar Rivotril para pacientes que estão em eventos como shows. “A gente sempre tenta evitar esse tipo de medicação. Principalmente dar medicação para alguém que pode estar com alteração eletrolítica por sudorese”, diz.
Além do perigo de a medicação evoluir mal com o quadro de desidratação, o médico questiona se é seguro induzir sono em alguém que está em um aglomerado de pessoas.
Tallo, porém, diz que não é absurda a administração do benzodiazepínico em casos de extrema ansiedade, caso tenham sido feitos exame físico, checagem de sinais vitais, frequência cardíaca, frequência arterial e perguntas sobre estado de saúde antes. Segundo ele, o Rivotril é metabolizado em algumas horas e depois não há efeito colateral.
“Em nenhum momento eu aparentei estar passando mal de nervoso”, diz Bel Rodrigues à Folha. A influenciadora relata que se indispôs em decorrência do calor, teve pressão baixa e foi tratada normalmente na primeira vez em que procurou o ambulatório. Na segunda, porém, foi até o local para se refrescar no ar-condicionado e foi induzida a tomar o medicamento.
Bel conta que pediu para ficar em um canto do ambulatório se refrescando, mas como o local começava a encher, a profissional de saúde negou e sugeriu o remédio. “Ela disse: ‘Vou colocar cinco gotinhas de clonazepam para você e vai dar uma acalmada’. Eu sei o que é clonazepam, eu já tomei ele, então sabia que não teria reação adversa. Mas ela não perguntou nada disso.”
Os pacientes que afirmam ter recebido o calmante relatam que não foram questionados sobre alergias, interações medicamentosas e possíveis impedimentos para tomar o remédio.
No dia 18, a paulista Joana Leite, 20, teve uma crise de ansiedade quando soube que o show foi adiado. No ambulatório, disse que os profissionais queriam medicá-la com Rivotril. Diagnosticada com transtorno bipolar, recusou-se a tomar o remédio porque não é um dos que está acostumada, além de ter medo da interação com outros três medicamentos controlados que faz uso.
No mesmo dia, a recifense Maria Eduarda Leite, 21, entrou em pânico quando, depois de passar mal por causa do calor, encontrou-se no meio de um suposto arrastão. Em sua segunda passagem pelo posto, diz que recebeu Diazepam.
“Eu queria uma cópia do meu pronto-atendimento, porque pensava que ia ter que ir ao hospital, mas me negaram. Disseram que ali era pronto-atendimento e que não tinha nada registrado”, conta Leite.
Segundo a empresa Vida UTI, responsável pelos atendimentos, a prescrição de medicamentos no atendimento pré-hospitalar (APH) é prerrogativa médica, que é “soberano na tomada de decisão”.
“A conduta médica está alicerçada na entrevista, nos sinais vitais e na avaliação clínica, onde são observados sinais e sintomas do paciente. Após todo esse conjunto de informações, o médico estabelece um plano terapêutico, o qual pode ser constituído de medicamentos, inclusive aqueles psicoativos, tudo estabelecido no rol do ato médico, respaldado pelo conselho federal e pelos conselhos regionais de medicina”, escreve a diretoria médica.
Em reportagem anterior da Folha, a paulista Mariana Marcarini, 23, contou que recebeu o remédio após ter a pressão aferida. “Mediram minha pressão e me deram um remédio sublingual (“Clonazepam”, me disse a moça que me atendeu) e mais um para enjoo”, disse.
A estudante carioca Lavínia Mendes, 21, disse suspeitar ter recebido o mesmo remédio. Ela foi para o ambulatório antes mesmo de começar o show de abertura com a pressão baixa.
“A médica, que já estava com uma cartela de remédio na mão, furou um dos medicamentos, botou debaixo da minha língua e falou: ‘Fica com ele por baixo da língua, espere que dissolva’. E foi isso. Não me foi informado qual era o medicamento em momento algum. Eu estava muito fraca, então também não questionei”, diz Lavínia.
“Durante o show, não conseguia aproveitar. A minha sensação era que se eu gritasse, se pulasse, iria cair a qualquer momento”.
A produtora Time for Fun, responsável pelos shows de Taylor Swift no Brasil, afirma que trabalha com parceiros para o atendimento médico e não tem acesso aos prontuários dos atendimentos realizados em seus eventos. “A empresa, seus parceiros e fornecedores seguem rigorosamente todos os protocolos determinados pelas autoridades de saúde”, diz comunicado.