À medida que chegamos ao final do ano, é apenas costume que as plataformas de streaming comecem a lançar diversos títulos que nos façam entrar no clima de “encerramento de ciclos”. E uma das primeiras produções a nos chamar a atenção foi a comédia ‘Trocados’, que trouxe ninguém menos que Jennifer Garner e Emma Myers em mais uma colaboração com a Netflix que, apesar dos claros deslizes, entregou o que prometia através de uma narrativa singela e, é claro, bastante formulaica. E, ainda que os equívocos gritem cena após cena, é notável como a ideia do projeto não é entregar algo novo, mas nos transportar para um microcosmos familiar e aconchegante por pouco mais de uma hora e quarenta.
Como é de praxe dentro das obras do gênero, a história se inicia com uma família disfuncional que passa por diversos problemas: de um lado, temos a conturbada relação entre Jess (Garner) e CC (Myers), mãe e filha que são muito diferentes entre si e que se veem no meio de um conflito intergeracional que nos relembra de tantos outros enredos similares – como a dinâmica entre Tess e Anna em ‘Sexta-Feira Muito Louca’, por exemplo. De outro, temos Bill (Ed Helms) e Wyatt (Brady Noon), pai e filho cujas personalidades contrastantes os colocam em desentendimento constante. É a partir daí que o núcleo protagonista do longa-metragem premedita uma jornada de amadurecimento para todos os personagens – e que é antecipada por uma misteriosa figura interpretada pela lendária Rita Moreno.
Tudo muda quando a família resolve visitar um observatório para assistir a um raro alinhamento de planetas – um escopo criativo que aproveita para fazer menções a incursões sci-fi cataclísmicas e quase inexplicáveis. E, à medida que discutem sobre a falta de empatia e como ninguém consegue se colocar no lugar do outro, eles passam por um evento cósmico que os fazem trocar de corpos. Ora, é automático que pensemos acerca do desenrolar dessa fábula quando isso acontece, imaginando que eles deverão compreender o que significa estar do outro lado por alguns dias até que reafirmem laços que há muito se perderam. E é exatamente isso o que acontece.
O filme é comandado por McG, realizador conhecido por ‘As Panteras’ e ‘A Babá’, duas iterações bem diferentes entre si e que refletem sua paixão por promover uma versatilidade que, mesmo não funcionando sempre, tem seu valor de entretenimento para o público. Aqui, o diretor se apoia com firmeza em temas de fim de ano, como já explicado: se levarmos em consideração que o Natal é uma época de reconciliação e de companheirismo, inverter esses valores em uma produção audiovisual é o que queremos ver. No final das contas, McG não está preocupado em construir sequências espetaculares, mas utilizar clichês estéticos e estruturais para uma honesta e cândida aventura.
O elemento de maior significado dentro dessa atmosfera é o elenco: Garner já se consagrou como uma das grandes musas das comédias e das comédias românticas, tendo emprestado seu carisma para ‘De Repente 30’ e ‘Com Amor, Simon’. Em ‘Trocados’, ela continua uma onda “mãezona”, nutrindo de uma química espetacular com seus colegas de cena e nos relembrando dos vários motivos pelos quais gostamos de vê-la na ativa; em comparação, Myers, que conquistou o mundo como Enid na adorada série ‘Wandinha’, é o contraponto perfeito, seja em seu corpo original ou trocada com a personagem de Garner, arquitetando uma engrenagem bem saudosista. Por fim, temos Helms e Noon em uma reflexão similar que, apesar de não terem peso igual às atrizes, ajudam a fornecer ritmo ao filme.
O problema principal é o fato do roteiro não saber em que direção seguir sem cair em convencionalismos repetitivos e cansativos: assinada por Victoria Strouse e Adam Sztykiel, a história apresenta tantos coadjuvantes que fica difícil acompanhar as múltiplas ideias que despontam das telinhas. Além do quarteto principal, temos o jovem caçula da família e o cachorro trocando de corpos, colegas de trabalho de Jess, amigas de escola de CC, o crush de Wyatt e os membros da banda de Bill que fazem parte intrínseca da trama e, ao mesmo tempo, posam como peças desnecessárias e descartáveis que poderiam ter tido melhor cautela ao serem utilizados dentro dessa ambientação.
‘Trocados’ pode não ser o longa mais sólido e instigante quando pensamos no final do ano, mas certamente é uma jornada divertida e nostálgica que se aproveita da própria atemporalidade para entregar aquilo a que se propõe – e nos colocar no ritmo natalino de modo sutil e que nos arranca vários sorrisos sinceros.