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Se em 1954, um Japão ainda assimilando as consequências da guerra produz o mais icônico Kaiju, Godzilla (ou Gojira como na romanização do japonês original), nas últimas décadas a percepção do ocidente sobre o aspecto geopolítico formador do personagem talvez tenha se diluído. Esse fator pode muito bem se relacionar às recentes reimaginações norte-americanas de um Godzilla que sim, ainda é atômico, mas que descolado do momento pós-guerra precisa encontrar outras formas de construir sua mitologia, muitas vezes carregada mais de um entendimento de disputa um pouco mais abstrata entre o “progresso” humano e uma revanche da natureza. Se em 2014 e 2016 o kaiju é introduzido a partir de acidentes com o controle de energia atômica (vide os ocorridos em Fukushima no ano de 2011), em 2023 presenciamos um retorno para o pós-guerra com Godzilla Minus One.
O filme acompanha Koichi Shikishima, um ex-piloto Kamikaze que após um encontro brutal com um jovem Godzilla precisa voltar para casa, encarando a destruição e a derrota ao encontrar uma Tóquio já em ruínas tentando se reerguer. No entanto, quando tudo parecia estar dando indícios de melhora na vida de Koichi, Godzilla retorna, agora muito maior e com mais sede de sangue. A história a partir daqui toma formas mais tradicionais de um filme de monstro mas já é interessante observar a construção dos perfis de cidadãos japoneses nesse momento histórico. As noções de dever, de honra, de posição social e de humilhação após a derrota na guerra são importantíssimas na formação desses personagens que estão tentando se reconciliar com a vida após a bomba e subsequente submissão às forças Aliadas (representados principalmente pelos EUA).
A presença do monstro praticamente imparável e com capacidade gigantesca de destruir acaba se tornando uma representação encarnada do sentimento de vulnerabilidade construído pelo contexto do país e pelo que é apresentado no dia a dia dos personagens. Mesmo seguindo uma abordagem de design oposta à versões anteriores como Shin Godzilla (2016), onde a inexpressividade no olhar do monstro o afastava da humanidade, esse Godzilla de olhar expressivo, intenso e um tanto rancoroso consegue se fazer imponente em seus ataques à humanidade. O monstro protagoniza cenas grandiosas dizimando cidades, barcos e qualquer outra coisa que cruzar seu caminho que, seguindo toda uma tradição audiovisual japonesa, ainda conseguem encontrar um forte senso estético nessa destruição.
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O desenvolvimento do arco principal de Koichi que precisa processar os ocorridos tanto na guerra quanto em seu primeiro encontro com a criatura gigante vai ser estruturado dentro de uma lógica mais melodramática, o que funciona bem pensando na ideia central do filme de refletir sobre questões do trauma da nação a partir da fantasia e da ficção científica. Se a ação é exagerada pela presença de uma criatura colossal, as atuações são excessivamente dramáticas mas sem cair em uma mera caricatura.
Godzilla Minus One visa um retorno que não só reimagina a figura de seu personagem título mas que também tenta retomar de maneira frontal elementos da cultura japonesa pertinentes ao contexto de surgimento dessa figura tão icônica para a cultura mundial. Mesmo que por vezes a aproximação um pouco mais honesta com os dilemas sociais da época possam soar contraditórios e por vezes exista um reforço desmedido da filosofia de guerra do Japão, além de algum nível de fetichização do conflito dadas as cenas de ação muito bem dirigidas por Takashi Yamazaki, que encontram beleza no caos dos ataques de Godzilla. Ainda assim, a mensagem que se sobressai é a repulsa de um ideal de força japonês que desconsidera o respeito à vida, o que não chega a ser uma ideia muito bem desenvolvida mas que é repetidamente ressaltada no longa.
Em resumo, Minus One é uma celebração de Godzilla que tenta envolver a partir de uma ideia um tanto clássica do filme de monstro mas que entrega uma experiência no geral coesa, divertida e consciente de seu lugar na franquia do kaiju.
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