“De Repente 30” é um marco da comédia romântica dos anos 2000. O filme de Gary Winnick resiste ao esquecimento ao passo que evoca no público um gosto bom de nostalgia, com Jennifer Garner personificando uma espécie de fada dos desejos mais íntimos de cada um, pronta para transportar a audiência para o tempo mágico em que tornar-se um trintão era um sonho bem distante.
Essa é a mágica no roteiro de Josh Goldsmith e Cathy Yuspa ao mostrar as agruras de Jenna, uma garota de treze anos atormentada pelos outros adolescentes, criaturas perversas como só se consegue ser nessa fase da vida, cercando do afeto e da proteção de Matt, o típico nerd, gorducho e amoroso, apaixonado por ela em segredo. Neste segmento, Christa B. Allen e Sean Marquette esbanjam carisma e prendem a atenção de espectadores de todas as idades, levando a narrativa a sua outra configuração do jeito mais fluido possível.
Na festa para celebrar seu 13º aniversário, a personagem central experimenta as transformações pelas quais ansiava — e isso não é um bom sinal. O sonho de deixar de ser uma wannabe e tornar-se uma das invejadas patricinhas da escola, como Tom-Tom, de Alexandra Kyle, com Chris Grady, o galãzinho encarnado por Alex Black, aos seus pés, vai por água abaixo. Enquanto ela deixa o porão, ornamentado à década de 1980, com música no rádio, salgadinhos e refrigerante sobre a mesa espalhafatosa e, claro, a brincadeira em que se tem a oportunidade de passar “sete minutos no céu”, isto é, beijar aquele ou aquela com quem se tem sonhos nada pueris, os convidados roubam a comida e somem.
Durante o jogo, anfitriã se esconde no armário esperando um selinho de Chris, mas quem deflora-lhe os lábios é Matt. O diretor e seus corroteiristas lançam mão de um tropo inventivo para explicar como a menina desprezada por toda a escola torna-se, da noite para o dia, a editora de moda de uma das publicações mais lidas dos Estados Unidos; uma mulher autoconfiante; e capaz de levar para sua cama no loft espaçoso em Manhattan o jogador de hóquei que dez entre dez americanas cobiçam. Tudo graças a Matt.
Por uma razão que só mesmo o próprio destino sabe, ela reencontra o melhor amigo de tempos que considerava mortos. Mark está morando na mesma cidade, num apartamento no Greenwich Village, mas receia que os dois não tenham mais nada em comum. Eles não se veem desde aquela festinha de aniversário de quase vinte anos atrás; entretanto, sua intuição dos tempos do colégio se mantém, e ela decide procurá-lo — também lúcida o bastante para reconhecer não ter sido merecedora de sua estima por tê-lo preterido em nome de relações mais convenientes.
Mark Ruffalo vale-se do carisma magnético que define boa parte de seu trabalho para compor com Garner uma das dobradinhas mais notáveis do cinema contemporâneo. A seu modo, “De Repente 30” é, a seu modo, uma das grandes histórias sobre a eterna peleja da amizade com o amor, que muitas vezes sacrifica-se em seu nome. Na infância vivem os amores que só temos na memória, e, como Jenna aprende a custo, é para lá que todos queremos ir sempre que o flagelo da existência faz-nos sangrar.
Filme: De Repente 30
Direção: Gary Winnick
Ano: 2004
Gênero: Comédia/Romance
Nota: 9/10