Conheci o cara quando me encostei no balcão de um bar para tomar uma cerveja. O sujeito apareceu ao meu lado. Era grisalho e usava um terno amarfanhado. Estava com cara de cansado. Puxou conversa:
— Tomando uma cervejinha no final da tarde?
— É bom uma cerva para relaxar. — Respondi.
— Nem me fale. Eu estou morto! Cansado demais, a vida não está fácil.
Achei que ele ia começar a explicar por que a vida dele não estava fácil, já havia me arrependido de dar papo para o sujeito, mas quando já engrenava a primeira para me mandar, o cara me fez uma pergunta:
— Você é humorista, certo?
— É, é verdade, sou humorista.
— Eu também trabalho com humor.
— É? — Estranhei. O sujeito não tinha a menor cara, nem jeito de humorista.
— Eu não sou humorista. — Ele tratou logo de dizer.
— Não? Mas você não disse…
— Eu trabalho com humorismo, mas não exerço. Até gosto de ouvir umas piadas, mas não sei contar.
— E você faz o quê nessa área? — Perguntei curioso.
— Eu sou policial.
— Ah… desculpa, mas o que um policial tem a ver com humor?
— No meu caso, tudo. Vou te explicar: há algum tempo o número de humoristas tem aumentado bastante, muita gente fazendo shows de stand-up. Na internet então, nem se fala! Todo dia surge um podcast de humor.
— Sim, é verdade e isso é ótimo. Nada mais sadio do que o humor.
— É, mas esse pessoal começou a dar trabalho. Muita reclamação de roubo, sabe? É humorista dando queixa de que a piada dele foi usada por outro sem crédito, comediante reclamando que seu esquete foi copiado no show de stand-up alheio, outro garantindo que sua piada saiu antes na internet e foi roubada…
— Engraçado.
— Eu confesso que no início também achei engraçado.
Mas a coisa começou a crescer. Todo dia vários casos, dezenas, centenas, as reclamações aumentaram tanto que o secretário de segurança teve que tomar uma providência. Criou uma delegacia só para esses casos, a Delegacia Especializada em Crimes do Humorismo. E eu sou o titular dessa delegacia.
— Nossa, eu não sabia que existia isso.
— Quando fui chamado para a função, achei até divertido. Como falei, gosto de piadas, achei que ia escutar várias piadas e resolver casos simples, mas a coisa era muito pior do que pensei, barra pesada!
— Que isso? É claro que um humorista pode ficar chateado com outro por ter tido uma piada roubada, mas…
— Muitos humoristas não têm escrúpulos quando o negócio é fazer rir, roubar piada é só o começo. Hoje mesmo estou investigando um caso terrível.
— Um caso terrível? O que pode ser, o sequestro de uma piada velha?
— Vocês humoristas estão sempre brincando. Eu estou falando de coisa séria. Assassinato, meu caro.
— Tudo bem, é chato, mas um humorista é uma pessoa como qualquer outra, pode fazer coisas erradas.
— Coisas erradas? — O policial gritou, me assustando — Você acha que um comediante morrer no palco, antes de acabar uma piada, é só uma coisa errada? Isso é sórdido, meu caro!
— Calma, mas o cara morreu no palco… ele pode ter tido um ataque.
— Foi envenenado. O comediante era um gordo que fazia stand-up com piadas sobre gordos. Antes de entrar no palco ele comeu um cachorro-quente no camarim, entrou no palco e pum, cai duro.
— Mas como você sabe que alguém o matou?
— Uma mensagem deixada no camarim: “Esse não rouba mais piada de gordo”
— Então é só seguir a pista, procurar um humorista gordo e…
— É isso que eu estou fazendo. Mas existem milhares de humoristas gordos que fazem piada sobre a própria obesidade. Mais até do que baixinhos que fazem piadas com a altura ou feios que brincam com a própria incapacidade com o sexo oposto…
— É, realmente é um caso difícil… agora estou entendendo por que você precisou entrar nesse bar e tomar uma cerveja. Tem que relaxar mesmo…
— Eu não entrei aqui para tomar uma cerveja e relaxar…
— O policial se levantou — Entrei atrás de você. Você é humorista. Além disso, está bem acima do peso…
— O sujeito me mostrou uma carteira de policial — precisamos ter uma conversinha na delegacia…o senhor poderia me acompanhar por favor.