Sete em cada dez hospitais de ponta do país não conseguiram executar seus planos de investimentos em expansão (72,6%) e em novas contratações (70,6%) em 2023 por falta de recursos financeiros. Quase dois terços (63,5%) também não investiram na renovação de seus parques tecnológicos.
O cenário é mostrado em um levantamento inédito da Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados) com 66 instituições associadas, realizado na primeira semana de dezembro. A estimativa é que R$ 3,6 bilhões deixaram de ser investidos no ano passado.
Segundo Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp, uma das principais razões do aperto é a crise enfrentada pelo sistema de saúde suplementar, que tem provocado atrasos de pagamentos por parte dos planos de saúde. São faturas referentes a serviços prestados pelos hospitais a beneficiários de planos, como atendimentos de emergência, cirurgias, exames entre outros procedimentos.
Uma outra sondagem com 48 hospitais divulgada pela Anahp em setembro passado mostrou que esses atrasos somavam R$ 2,3 bilhões —o equivalente a 16% do faturamento no período. A entidade reúne 122 hospitais de excelência, entre eles Albert Einstein, Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz, Hcor, Nove de Julho e Copa D’Or e tem quase 25% de participação em despesas assistenciais na saúde suplementar.
Outro ponto de tensão entre hospitais e operadoras tem sido o aumento das glosas, que são questionamentos feitos pelas operadoras às faturas enviadas pelos hospitais. A taxa tinha um padrão histórico de 3,5% da receita bruta e no ano passado subiu para 9%, segundo a Anahp.
A maior parte dos hospitais entrevistados (42,5%) prevê estabilidade nos investimentos neste ano, 15,3%, redução, e 11,5% não planejam novos investimentos. Menos de um terço (30%) diz que haverá aumento.
Segundo Britto, uma outra causa para a redução dos investimentos em 2023 foi a alta taxa básica de juros (Selic). Em 2022, ela tinha fechado em 13,75% e se manteve neste patamar até junho de 2023, quando passou a cair e terminou o ano em 11,75%.
Em geral, parte dos investimentos dos hospitais vem de empréstimos bancários. “Com a taxa de juro muito elevada, houve um maior temor em buscar dinheiro nos bancos”, diz.
A queda de investimentos afeta também a manutenção e conservação dos equipamentos hospitalares. “Não estamos falando de hospitais com dificuldades para crescer. A dificuldade é para manter o que se tem”, diz o diretor da Anahp.
Quanto menor o hospital, maior foi o impacto na capacidade de investimento, segundo Britto. “A Anahp tem hospitais que estão no terço superior da estrutura hospitalar brasileira. A realidade do conjunto de hospitais brasileiros, das Santas Casas e dos hospitais pequenos, deve estar ainda pior.”
Francisco Balestrin, presidente do Sindhosp (sindicato dos hospitais, clínicas e laboratórios paulistas), corrobora essa percepção. Segundo ele, hospitais menores, que não fazem parte das grandes redes, estão sofrendo mais com os atrasos de pagamentos e a redução das autorizações de procedimentos por parte das operadoras de saúde.
“Muitos hospitais estão alavancados [endividados]. Foram buscar recursos no mercado financeiro e, para que possam pagar os bancos, dependem daquilo que produzem. Mas estão encontrando esses ofensores [atrasos de pagamentos por parte das operadoras]”, explica.
Balestrin afirma que há rumores no mercado de que o aumento nas mensalidades dos planos de saúde neste ano deverá girar entre 20% e 25%, mas diz que esses reajustes não chegam aos prestadores de serviços. “Nenhuma instituição de saúde conseguiu negociar reajustes sequer próximos a esses patamares.”
Para ele, o cenário em 2024 deverá ser parecido ao registrado em 2023 em relação aos investimentos. “Nada indica que os prazos de pagamentos vão melhorar, que as glosas vão melhorar e que as negociações com as operadoras vão melhorar.”
Britto é um pouco mais otimista. Diz que nos últimos meses houve uma leve melhora nos indicadores. “Mas isso não significa que as verdadeiras causas do problema estejam sendo enfrentadas. Elas decorrem de fatores estruturais que só serão superados com a adoção de reformas no sistema de saúde suplementar.”
Segundo ele, há uma unanimidade no setor de que uma série de mudanças são necessárias. Entre elas, confiança mútua e ações conjuntas entre prestadores e operadoras, como prevenção e promoção à saúde, interoperabilidade de dados, mudança do modelo de remuneração, utilização de indicadores para avaliar os hospitais e ampliação da telemedicina.
Em nota, a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) diz considerar uma distorção a interpretação de que as operadoras de planos de saúde contribuíram para a falta de investimento em estrutura hospitalar. “Cabe a cada grupo empresarial definir sua própria estratégia de negócios.”
Segundo a federação, dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) indicam que, de 2018 a 2022, o valor pago pelas operadoras de planos de saúde aos hospitais privados, considerando apenas internações, cresceu 40%.
“Só em 2022 [dados mais recentes disponíveis] foram R$ 95 bilhões, sendo registradas mais de 8,7 milhões de internações clínicas, cirúrgicas, obstétricas, pediátricas e psiquiátricas.”
De acordo com a Fenasaúde, as glosas jamais são praticadas pelas operadoras de forma discricionária, ocorrendo apenas quando identificadas inconformidades nos processos de cobrança, como códigos errados, dados incompletos, documentação insuficiente, preços incompatíveis com os praticados no mercado e cobranças de itens já incluídos em taxas e diárias.
Informa ainda que, segundo dados da ANS, no primeiro semestre de 2023, o tempo médio decorrido entre a apresentação da cobrança pelos prestadores de serviços e o pagamento pelas operadoras de planos de saúde foi de cerca de 30 dias, sendo que as glosas representaram um percentual de 7,5% dos valores dos serviços prestados.
Também nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) diz desconhecer a existência de glosas indevidas de pagamento. “Essa é uma relação individual entre as empresas e seus fornecedores.”