Crimes em série são uma das matérias-primas dos grandes filmes pós-modernos, como atesta “O Silêncio dos Inocentes” (1991), de Jonathan Demme (1944-2017), com seu Hannibal Lecter, rico, sofisticado, acima de qualquer suspeita e altamente perigoso, o maior vilão de todos os tempos, segundo o American Film Institute. É óbvia a inspiração de Mauro Borrelli para o louco furioso e contido que encabeça “Mindcage”, thriller com todos os cacoetes do gênero, pouco original, mas que determina seu eixo em performances nada tolas, a começar, por óbvio, do antagonista em questão.
Um homem novo a cada trabalho, o bruxo John Malkovich encarna um maníaco fora de circulação que, aparentemente, não se incomoda com o usurpador que ameaça seu posto de “o maníaco mais perigoso do Arkansas”. À medida que a história avança, Borrelli e o corroteirista Reggie Keyohara 3º vão removendo as camadas de verniz de indiferença patológica de Arnaud Lefeuvre, O Artista, com a ajuda de dois policiais meio baratinados, mas aguerridos.
“Mindcage” já começa em tons exageradamente funestos. Na nave da igreja, o padre se depara com o cadáver de uma mulher pintado de branco, disposto num crucifixo com detalhes imitando ouro. Sua surpresa só não é maior que a de Jake Doyle, o investigador-chefe encarnado por Martin Lawrence num momento de louvável sobriedade, mas antes a polícia já fazia suas primeiras averiguações, com Mary Kelly, sua assistente, muito menos escandalizada com aquele cenário.
Enquanto isso, O Artista esboça novos desenhos no interior de uma cela escura da penitenciária de segurança máxima do estado, onde cumpre pena até a execução por ter matado seis prostitutas da mesma forma como acabara de ocorrer na igreja. Kelly, a mocinha de Melissa Roxburgh, é quem lhe dá notícia de que existe um imitador de sua “obra” à solta, aproveitando para pedir-lhe alguma orientação que agilize a captura do novo assassino, em troca de favores pelos quais ele não se interessa, e com razão.
O diretor acha um meio arguto de elaborar esses conflitos de Doyle, Kelly e O Artista, conduzindo o filme a um segundo ato bem mais movimentado, no qual Roxburgh ganha larga vantagem sobre Lawrence. A subtrama da doença terminal do pai da detetive-júnior presta-se a respiro dramático bastante satisfatório, sendo retomada na justa extensão no desfecho.
As cenas em que Doyle e Kelly dedicam-se a averiguar quem pode ser o sucessor desautorizado de Lefeuvre têm sempre um bem-vindo quê de patético, crítica involuntária de Borrelli à ineficácia da polícia num ambiente repleto de vagabundos de toda ordem, transtornados pela droga, por traumas de família, pelo desemprego ou pela simples urgência de matar, como se dá com o Artista, que se crê mesmo um esteta — um esteta da morte, mas um esteta —, incentivado pela arquitetura neogótica que o rodeia.
Essa, aliás, é uma das pistas de que os personagens de Roxburgh e Lawrence se valem na tentativa de solucionar o caso, mesmo que “Mindcage” guarde segredos que acabam por não encaixar ao fim de longos 97 minutos.
Filme: Mindcage
Direção: Mauro Borrelli
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 7/10