Estudo em criações de frangos comerciais da China revelou que espécies E. coli e salmonela compartilham entre si elementos genéticos, a fim resistir com mais eficácia a agentes antimicrobianos.
Um estudo de amostras de 10 granjas e abatedouros de frangos da China, contendo Escherichia coli e Salmonella enterica, revelou que essas bactérias conseguiram desenvolver resistência a antimicrobianos (AMR, na sigla em inglês) através do intercâmbio de informações genéticas, usando elementos genéticos móveis.
Essa propriedade já era conhecida, porém “não está totalmente esclarecido até que ponto isso é possível entre bactérias de espécies diferentes, uma vez que a maioria dos estudos enfoca uma única espécie”, explica a coautora do estudo Tania Dottorini.
Os pesquisadores recolheram amostras – fezes, carcaças, penas, ração, solo, águas usadas, esfregões anais, cercanias dos abatedouros e água potável – das mesmas aves e locais. Ambas as espécies investigadas, normalmente presentes na cadeia alimentar tanto animal como humana, são fonte potencial de intoxicação alimentar.
“Descobrimos pela primeira vez que muitas amostras de E. coli e a S. enterica, no contexto do mundo real que analisamos, apresentavam os mesmos elementos genéticos móveis”, prossegue a pesquisadora. “Isso poderia indicar que esses portadores de resistência antimicrobiana são necessários à sobrevivência [das bactérias] dentro do hospedeiro e no ambiente.”
Intercâmbio de dados é fator de sobrevivência bacteriana
O fato de a E. coli e a S. enterica compartilharem elementos genéticos móveis relacionados especificamente à AMR é um fenômeno “que não foi identificado previamente, mas que pode estar acontecendo em ampla escala em ambientes semelhantes às granjas que estudamos”.
“Os elementos genéticos móveis do genoma bacteriano desempenham um papel crucial na evolução dos micróbios, com repercussão na resistência a antibióticos”, confirma Filipa Vale, especialista em biologia e genética microbiana da Universidade de Lisboa.
Segundo ela, o atual estudo –de que não participou– mostrou que “cenários do mundo real representam uma ameaça significativa de transmissão de AMR para os humanos e o meio ambiente, enfatizando a importância de estudar os elementos genéticos móveis entre as bactérias”.
Bactérias que ameaçam a saúde global
Bactérias como E. coli e a S. enterica podem provocar diarreias potencialmente fatais em humanos, sobretudo nos países de renda baixa a média. Por isso são consideradas uma importante ameaça global à saúde e ao desenvolvimento.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula que a resistência a antimicrobianos causou um total de 1,27 milhão de mortes em 2019, além de contribuir para 4,95 milhões. O fato é atribuído ao “uso equivocado e excessivo” de antimicrobianos em humanos, animais e plantas.
Agentes antimicrobianos são medicamentos e produtos químicos empregados no combate às bactérias. Sua forma mais comum são os antibióticos, mas também eles incluem antissépticos, desinfetantes e fungicidas. São empregados não só para tratar infecções em humanos, mas também para preveni-las e promover o crescimento das aves de granjas industriais.
Por sua vez, as bactérias desenvolveram mecanismos contra esses agentes, visando AMR, ao ponto de os antibióticos estarem se tornando ineficazes no tratamento de diversas enfermidades, mesmo relativamente inofensivas, como as infecções do trato urinário.
Especial interesse por países de renda média-baixa
Outro dado relevante do presente estudo é que, comparadas a estabelecimentos europeus análogos, as granjas da China, acusaram número bem maior de elementos genéticos móveis.
Segundo Dottorini, essas diferenças podem ser devidas a “variações no uso de antibióticos e estratégias de intervenção”, e “esses achados muito provavelmente se aplicam a outros cenários geográficos com práticas de emprego de antibióticos semelhantes às da China”.
Dottorini lembra ainda que o estudo “só considerou duas espécies”: “É provável que se constate comportamento semelhante em outras espécies bacterianas ocupando esse mesmo microbioma. Estudos futuros ampliarão nossa pesquisa, a fim de abordar essa questão.”
De especial interesse serão países de renda média-baixa, onde “estratégias de criação intensiva estão sendo cada vez mais empregadas e a regulamentação da ministração de antimicrobianos costuma ser menos rigorosa do que na Europa”, antecipa a pesquisadora.