O Brasil pode chegar a 20 milhões de crianças e adolescentes obesos em 2035, segundo projeção do Atlas 2024 da Federação Mundial da Obesidade (World Obesity Federation, na sigla em ingles, WOF), divulgado nesta quinta-feira (29). O estudo abrange dados de 186 nacionalidades e, segundo os autores, mostra um padrão no qual todos os países devem ser afetados por um expressivo aumento do índice de massa corpórea (IMC) da população.
A projeção alerta para uma crescente na última década, inclusive entre as nações mais pobres. No Brasil, o ganho de peso no segmento infanto-juvenil (de 5 anos a 19 anos de idade) pode ter uma salto de 34% de indivíduos com IMC alto em 2019 (o equivalente a 15,58 milhões de jovens) para 20,39 milhões em 2035.
Esses valores representam um crescimento de 1,9% ao ano entre 2020 e 2035, um índice muito próximo ao de adultos, cuja expectativa é de alta de 1,8% anuais no mesmo período.
Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), destacou, em nota enviada pela assessoria da entidade, que a nova edição do Atlas traz informações preocupantes em relação ao Brasil.
“Em especial quando se fala do excesso de peso em crianças, 20 milhões convivendo com excesso de peso, e uma projeção muito impactante das doenças associadas à obesidade, como alteração da glicose, hipertensão arterial e alterações do colesterol, bases já conhecidas para o avanço de doenças cardiovasculares e mortalidade precoce”, diz Miranda.
Segundo a nutricionista Carla Irai Ferreira, mestre pelo Programa de Saúde da Criança e do Adolescente pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em nutrição materno-infantil e comportamento alimentar, os índices crescentes de obesidade e sobrepeso são um desafio e já fazem parte da realidade clínica.
“Tais números vêm reforçar que precisamos trabalhar a educação nutricional de famílias, para proporcionar um ambiente alimentar favorável, sem terrorismo nutricional e provendo um comportamento alimentar saudável”, reforça Ferreira.
Tais números vêm reforçar que precisamos trabalhar a educação nutricional de famílias, para proporcionar um ambiente alimentar favorável, sem terrorismo nutricional e provendo um comportamento alimentar saudável
A nutricionista afirma que é necessário que ocorram políticas públicas pensadas em diversas áreas, para além da alimentação, para superação desses índices, respeitando as possibilidades reais de cada família.
O Atlas aponta que, mais uma vez, que o investimento financeiro para combate ao problema é urgente e menor que o “o custo de não prevenir e tratar a obesidade”, que tem capacidade de reduzir a economia global em mais de 4 bilhões de dólares em 2035 —quase 3% do produto interno bruto global.
“Nos faz refletir e direcionar atenção para ações que vão não só prevenir, mas ajudar as crianças que já convivem com o excesso de peso a terem uma melhor saúde e tratamentos que necessários para que consigam reverter a situação”, destaca Miranda.
As estimativas de 2024 para níveis mundiais de IMC elevado sugerem que quase 3,3 bilhões de adultos poderão ser afetados até 2035 contra 2,2 bilhões em 2020. É um aumento de 42% de adultos afetados pelo problema em 2020 para mais de 54% em 2035.
Na média global, o número de crianças e jovens atingidas sobe de 22% (430 milhões) para mais de 39% (770 milhões) apenas nesta década.
Alexandre Hohl, professor de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-presidente da SBEM, diz que os dados do relatório da WOF confirmam as projeções anteriores e são de fato alarmantes.
“O número de adultos com obesidade no Brasil só cresce, mas o mesmo infelizmente também ocorre com crianças e adolescentes. É preciso reafirmar que obesidade é uma doença crônica e progressiva. Esse é o primeiro desafio”, diz Hohl.
A WOF, anteriormente Associação Internacional para o Estudo da Obesidade e Força-Tarefa para a Obesidade, é uma organização focada exclusivamente na obesidade e um parceiro de agências globais sobre o tema, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foram utilizados no estudo dados de diferentes entidades, como Organização das Nações Unidas (ONU) e a RTI International, que calculou as projeções.
IMC e mortes evitáveis
Dos 41 milhões de mortes anuais devido a doenças crônicas não transmissíveis (DNT), 5 milhões são impulsionado por IMC elevado (maior que 25). Destas, cerca de 4 milhões advém apenas de comorbidades como diabetes, acidente vascular cerebral, doença coronariana e câncer.
“Sem esforços importantes e coordenados de ação, as taxas de obesidade continuarão a aumentar e cada vez mais pessoas morrerão prematuramente devido à obesidade ou a uma das doenças atribuíveis a ela. Além disso, as DNT associadas à obesidade, que antes só eram observadas em adultos, estão se tornando cada vez mais comuns entre as crianças”, destaca o relatório.
O IMC alto está ligado diretamente a fatores crescentes como crise ambiental, urbanização, falta de atividade física e consumo de produtos de origem animal, comprometendo o futuro das gerações.
No Brasil, os índices mais preocupantes de favorecimento do aumento de peso são aumento da população vivendo em centros urbanos; consumo alto diário de proteína animal e atividade física insuficiente em adultos.
Entre crianças com IMC alto, entre 2020 e 2035, o total de casos de pressão alta devem subir de 1,25 milhões para 1,91 milhões; os de diabetes de 535,8 mil para 720,8 mil e os de colesterol alto de 1,48 milhão para 2,06 milhões.
Combate à obesidade em crianças
Para combater as projeções, os especialistas apontam que é preciso de um conjunto de ações e de agentes envolvidos. “É preciso haver um entendimento coletivo de que obesidade é doença e que o tratamento se faz necessário com uma equipe multidisciplinar”, pontua Hohl.
O professor diz que as iniciativas de educação alimentar nas escolas públicas e privadas precisam ganhar cada vez mais relevância para um efeito positivo nos números, bem como a construção de espaços públicos ao ar livre para prática de exercícios e esportes.
Na parte nutricional, Ferreira lembra que a vida urbana muitas vezes leva as famílias a realizarem mais refeições fora de casa e a dedicarem menos tempo ao preparo, uma cultura que precisa ser desacelerada. “Desta forma, o consumo de alimentos ultraprocessados muitas vezes faz parte da rotina das famílias em grande proporção, ofertando grandes quantidades de açúcares, gorduras saturadas, sódio, entre outros componentes”, diz a nutricionista.
O tempo de tela também impacta no comer. “Leva à uma menor percepção do que se come e do quanto se come, privando as famílias de um tempo de qualidade, tão importante para um bom relacionamento com o alimento quanto para outras áreas da vida”, avalia Ferreira.
Para ela, a segurança é outra questão essencial. “A falta da prática de atividade física é realmente um desafio, pois com o aumento da violência urbana ao longo dos anos, crianças têm menor possibilidade de atividades ao ar livre, levando ao aumento do sedentarismo, que colabora para o aumento do excesso de peso”, diz a nutri.
Para ajudar os filhos, pais devem buscar melhores opções alimentares, dentro do cenário em que se encontram, mesmo que seja comendo fora de casa, como preparar lanches para não ficar apenas à disposição do que é possível comprar na rua e implantar o hábito de cozinhar em casa e de se planejar para ter alimentos in natura com frequência, variedade e qualidade.
Refeições devem ser feitas sem a presença de telas em qualquer situação para que haja controle da saciedade e oportunidade de observar o exemplo alimentar dos pais. Quanto às atividades físicas, aproveitar que as crianças em geral gostam de se movimentar para organizar momentos prazerosos ao ar livre ao longo da semana.