A crise yanomami contada pelas vítimas – 14/07/2024 – Marcia Castro – Zonatti Apps

A crise yanomami contada pelas vítimas – 14/07/2024 – Marcia Castro

Em 1993, o massacre do Haximu resultou na morte de 16 pessoas (a maioria mulheres e crianças) na terra indígena yanomami. Este é o único crime reconhecido como genocídio pela Justiça do Brasil.

Três décadas depois, uma crise humanitária na terra indígena yanomami revelou o impacto cumulativo da exposição prolongada à negligência social, econômica e política.

Os dois eventos, separados por 30 anos, tem a mesma causa: a expansão do garimpo ilegal na Amazônia. Uma expansão cuja rapidez não tem precedentes: se considerarmos um período de 37 anos (1985-2022), 62.3% de todo o garimpo existente em terras indígenas na Amazônia foi aberto em apenas cinco anos (entre 2018 e 2022).

Muito já foi escrito sobre essa crise. Entretanto, o livro “Diários Yanomami. Testemunhos da Destruição da Floresta”, lançado recentemente pelo Instituto Socioambiental e pela Hutukara Associação Yanomami, traz relatos coletados por pesquisadores yanomamis entre 2021 e 2013.

O livro, escrito na língua yanomami e em português, traz a voz das vítimas dos crimes sociais e ambientais impostos pelo garimpo. O livro não é uma interpretação dos fatos. O livro traz os fatos! Deveria ser leitura obrigatória em escolas e universidades.

Os testemunhos coletados mostram a rápida destruição do meio ambiente e do modo de vida, o medo dos povos indígenas, a carga de doenças que se espalham entre adultos e crianças, e o descaso do Exército e das autoridades.

Rios são contaminados com mercúrio, com óleo dos aviões e das máquinas usadas no garimpo e com lixo. Morrem os peixes, e quando não morrem ficam contaminados. Adoecem os indígenas que bebem a água e comem os peixes.

Locais onde indígenas costumavam buscar alimento são tomados pelo garimpo. E os animais de caça são afugentados pelo barulho das máquinas. Barulho este que não deixa os indígenas dormirem. A falta de comida entre os indígenas se instala. Os garimpeiros se aproveitam e oferecem alimento em troca de apoio e de mulheres.

Há relatos de denúncia ao Exercício e uma percepção de que não há vontade de acabar com o problema. De fato, há dois Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) na área indígena Yanomami. O 4º PEF, instalado em 1988 em Surucucu, e o 5º PEF, instalado em 1995 em Auaris. Curiosamente, o 4º PEF é próximo de rotas de entrada do garimpo.

Testemunhos também relatam a fragilidade da atenção à saúde. Garimpeiros usavam de violência ou pagavam (com ouro) por tratamento. Para os indígenas, faltava remédio. A insegurança fechou postos de saúde.

O relatório de uma missão do Ministério da Saúde na área yanomami em Janeiro de 2023 reportou que havia quatro polos base fechados e ocupados pelo garimpo. Um dos principais agravos reportados é a malária. Há um ano escrevi nesta coluna que eliminar a malária deveria ser um compromisso do atual governo. Minha opinião não mudou. Está mais forte ainda.

Pela primeira vez temos mais casos de malária em áreas indígenas do que em áreas rurais (30,2% em 2023, e 40% dos casos reportados este ano). Somando-se casos em áreas indígenas e de garimpo, são mais da metade dos casos! Eliminar a malária é uma questão de justiça social e ambiental, e demanda compromisso político. Urgente!

Termino com um trecho do livro: “Como os garimpeiros vão sair? Ficamos preocupados com a dificuldade para removê-los. Já acabou nosso rio, a terra, tudo, exploraram tudo. Então, os líderes, caciques, estão muito preocupados. Eles sabem que, quando terminar essa exploração, só vai ficar doença. Quando os garimpeiros forem embora, quem vai sofrer somos nós, porque eles estão acostumados. Ficavam lá, deixaram muita doença, malária. […] É esse o nosso sofrimento.”


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