É intrigante o quanto Almodóvar trata a dor e a morte em seus filme, sobretudo os mais recentes, como “Dor e Glória”, em que Antonio Banderas vive em luta com sua dor crônica nas costas. A dor muitas vezes define os personagens almodovarianos. A morte também. Mas em “The Room Next Door” é a liberdade de “ser dono de sua própria existência” que está em jogo.
Ingrid, ao contrário de Martha, não está preparada para a morte, mas ainda assim respeita a decisão da amiga e a apoia no plano de viajar para uma casa de montanha para concretizar seu plano de partida. Com uma narrativa calcada em muita história contada por Martha, que, naturalmente, está em uma fase de rememorar, repassar suas questões antes de partir, “The Room Next Door” é um tanto frio, destacado, que se assiste quase com um distanciamento como quem assiste a uma aula.
A direção sóbria, um dos pontos que sinalizam o amadurecimento do cineasta, que já foi tão melodramático e até cômico e barroco, permite com quem o drama nunca caia em um melodrama rasgado. As cores de Almodóvar continuam em cena, principalmente em roupas em tons de pink, azul, vermelho e verde. Mas, nesta nova incursão pela alma humana, tudo é mais frio, mais “clean”, mais equilibrado.
Martha e Ingrid conversam muito, há um tom de volta ao passado, claro, de tentar fazer as pazes com temas não resolvidos, de repassar a trajetória. Mas tudo é filmado com o distanciamento que faz com que o público mergulho nas questões que elas trazem, mas não se derrame em lágrimas ou autocomiseração jamais.
“São raros os filmes que trazem histórias de amizade feminina, que especialmente são mais velhas. Isso é muito especial e único”, comentou Julianne Moore que, ao lado de Tilda e Almodóvar, recebeu cerca de 16 minutos de aplausos na sessão de gala do filme.
A performance da dupla pode até render uma Copa Volpi (o prêmio dado às melhores atuações) em um ano em que há filmes com grandes papeis femininos, como “Maria”, com Angelina Jolie, “Babygirl”, com Nicole Kidman, além de “Ainda Estou Aqui”, com Fernanda Torres.
“The Room Next Door”, bem ao modo do diretor espanhol, fala de muitos temas, como tolerância, empatia e escolhas. Ao tratar de tema tão delicado como a eutanásia, ele pode não ousar na forma, que é delicada e, ao mesmo tempo, contundente, mas ousa ao falar abertamente e com afeto de um tema que aparentemente é sobre a morte, mas trata, no fundo, do direito de cada um de gerir sua própria vida. E isso não é pouco.