“Enquanto você não se amar, ninguém vai te amar” é um dos mantras mais opressores sobre o amor e um dos piores conselhos que tentamos seguir achando que estamos investindo em nós mesmos.
Tendo a achar que o culto ao amor-próprio é quase uma religião moderna. Talvez não haja Deus, já entendemos que o príncipe encantado não existe, mas o amor-próprio, esse sim, vai nos salvar. Será? Quanto mais frustrados estamos em nossas relações, mais recorremos às promessas dessa jornada. Deslocamos toda a angústia do descontrole das relações para um superinvestimento em algo que achamos que podemos dominar: nós mesmos.
Esse pensamento carrega um delírio de autossuficiência e um desejo de controle que, ao invés de nos ajudar a lidar com a falta e a impotência, nos lança em busca de uma completude projetada dentro de si: “O casamento acabou? Não vou me abater! Vou fazer pós, correr uma maratona, meditar… Vou ser minha melhor versão!”.
Mas essa melhor versão é para quem? Para você, que, assim como a maioria, segue inseguro e insuficiente? A hiperprodutividade chegou ao amor-próprio, e o que chamamos de autodesenvolvimento virou auto-opressão.
Compreender que o amor-próprio não é um caminho individual é essencial não só para se libertar do peso de ter que se amar sozinho como para rever que “ideal de eu” é esse que você está buscando para finalmente se amar? De que adianta sair de um namoro tóxico se você iniciar um relacionamento tóxico com você mesmo?
O amor-próprio não é um caminho individual simplesmente porque a própria noção de eu é entendida a partir do olhar do outro. Freud já dizia: “Uma unidade comparável ao ego não pode existir desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido”.
Nos entendemos a partir de como fomos olhados, cuidados e julgados por nossos primeiros cuidadores. Agora é a hora de rever mentalmente tudo o que você ouviu de seus pais: “Você é teimosa, ninguém vai te aguentar”, “podia ser inteligente como o irmão, mas é avoada”, “você dá muita confiança para os outros”.
Como Freud também dizia, “somos um sintoma de nossos pais”. Passamos a vida tentando ser amados com base no que entendemos que é uma pessoa digna de ser amada. Internalizamos a ideia de que, se não somos “bons o suficiente”, a culpa é nossa, e, numa cultura de “querer é poder”, acreditamos que, se corrigirmos tudo o que falta, seremos finalmente amados (por nós e pelos outros).
Ironicamente, achamos que somos adultos e independentes focando no amor-próprio, sem perceber que continuamos como crianças grandes querendo acertar. A tal “melhor versão” é só uma colcha de retalhos de demandas reais ou projetadas das vozes que nos formaram.
Claro que amar-se é maravilhoso, mas proponho um amor-próprio que troque o “se valorize” por “se valide”, mais conectado à autoaceitação e à capacidade de abraçar nosso caos, em vez de perseguir autodesenvolvimento. Na validação, substituímos a régua da escala de valor pelo acolhimento: esse é o nosso eu possível. E tudo bem. E tudo bem quando não estiver tudo bem também. Amar-se é acolher os dias de autopiedade, o medo que, às vezes, volta, o eco daquela crítica da sua mãe que, mesmo após 15 anos de terapia, ainda faz você duvidar de si.
Mesmo enquanto você não se amar, alguém vai te amar. Assim como nos construímos a partir do olhar dos outros, precisaremos de novos olhares para reencontrar o afeto hoje. Pedir colo, reforço positivo e atenção plena para uma conversa sobre uma crise existencial é um ato de amor-próprio que não se faz sozinho. Amor se faz imperfeitamente junto, e é bonito poder pedir e oferecer.