Uma das grandes questões na hora de se realizar um transplante é a qualidade do órgão. O que se deseja, naturalmente, é não só que haja uma boa integração do órgão ao organismo do receptor, sem rejeição, mas que ele desempenhe sua função adequadamente por muitos anos. Na hora dessa avaliação, a idade do doador é um fator crítico.
Por isso que, seja pelas normas que regem o sistema de transplante de órgãos ou pelos critérios estabelecidos pelas equipes transplantadoras, muitas vezes os órgãos de um doador mais idoso podem deixar de ser aproveitados, ainda que haja consentimento familiar.
Para que sejam aproveitados múltiplos órgãos (coração, rim, pulmão, fígado etc) é necessário que o doador esteja num hospital e seja diagnosticado com morte encefálica. Quando é o caso de “doador com coração parado”, aproveitam-se apenas córneas.
Em São Paulo, a resolução 6 de 2019 da Secretaria de Saúde, que organiza o Sistema Estadual de Transplantes, dá algumas diretrizes nesse sentido. Não se aproveitam órgãos como coração, pulmão e rim de doadores falecidos acima de 75 anos. Daqueles acima de 80 anos ou menores de 2 anos, não se aproveitam tecidos como pele e osso.
Algumas modalidades podem ter regras ainda mais restritivas, como na doação de pâncreas: aí o doador tem que ter entre 5 e 50 anos, não pode ter o IMC (índice de massa corpórea) maior do que 30 e não pode ter diabetes (que tem uma relação íntima com o órgão, cuja falha pode desencadear a doença). Além dessas restrições, quando se quer aproveitar conjuntamente pâncreas e rim, é preciso que o doador esteja na faixa entre 18 e 50 anos.
Para o transplante de intestino, órgão responsável pela absorção de nutrientes, o doador não pode ter mais de 50 anos, ter mais de 150 kg e tem que ter uma série de exames de sangue bem controlados, como creatinina, bilirrubina e as enzimas AST e ALT.
Já para o coração, é vetado o uso do órgão de quem tem mais de 50 anos quando não há exames como ecocardiograma ou cateterismo, que atestam a vitalidade do órgão. E, como seria de se esperar, não se aproveita coração de quem fez cirurgia cardíaca prévia, que tenha sofrido infarto ou com stent nas coronárias ou quando a quantidade de sangue bombeada pelo ventrículo esquerdo, o mais forte, está baixa demais.
Ainda que virtualmente seja possível, na prática é bem difícil que equipes de transplante aceitem corações de pessoas falecidas com mais de 55 anos. Nesse tipo de caso, quando o doador tem morte encefálica, após ser comunicada (a notificação é compulsória), e com o aval da família, a central de transplantes do estado passa a oferecer os órgãos para as equipes, respeitando a lista de transplantes.
“Se eu consultar todos da lista, e chegar no último paciente e a equipe não aceitar, o órgão é automaticamente descartado. Nenhuma equipe utiliza um coração de um doador com 55 anos ou mais porque a maior probabilidade é que as coronárias já tenham problema; o risco de ter cálcio depositado nos vasos é grande. Por isso, a taxa de aproveitamento de coração é pequena, por volta de 11%”, relata Francisco Monteiro, coordenador da Central de Transplantes do Estado de São Paulo.
“O fato é que qualquer pessoa pode ser doadora. Isso é perfeitamente viável. É algo que deve ser difundido. Se o órgão vai ser aproveitado ou não, aí é uma particularidade inerente para cada doador na situação que ele está naquele momento em que foi preenchido o protocolo de morte encefálica”, explica.
Suelen Stopa Martins, nefrologista pediátrica e coordenadora Médica da Organização de Procura de Órgãos (OPO) da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que, no caso do rim, observa-se se o paciente em morte encefálica tem alguma comorbidade que levou ele a uma alteração renal, se já é diabético ou hipertenso. Com essas informações, a equipe médica se subsidia para a tomada de decisão.
“Isso não impede que esse rim seja aceito. Temos a oportunidade de avaliar muito bem esse órgão antes de fazer o transplante. Então conversamos com a família para ver se ele tinha algum problema renal prévio, se já acompanhava com nefrologista, se já fazia tratamento ou se não.”
Também é dosada a creatinina, um metabólito que, quando acumulado no sangue, indica piora da função renal. E pode ser feita uma biópsia para entender se há algum tipo de alteração estrutural. “Eu tenho que me cercar para saber se esse rim é bom o suficiente para ser transplantado”, diz.
Doação de órgãos entre pessoas vivas
Quando a doação é entre vivos, não está estabelecido nenhum limite de idade. Nesses casos, só podem ser doados rim, parte do fígado ou parte do pulmão.
“Você vai ter que avaliar se aquela dupla tem condição: se o doador está com boa saúde, se tirar aquele pedaço de órgão ou aquele órgão inteiro não vai causar nenhum mal a ele, e se não haverá nenhum problema para o receptor”, afirma Martins.