Tallulah Clark tinha apenas 14 anos quando começou a sofrer com os sintomas da ataxia, um grupo de distúrbios neurológicos que afetam funções como coordenação, equilíbrio e fala. Ela tem uma forma genética de ataxia conhecida como A0A2.
Quando Tallulah foi finalmente diagnosticada com a condição, aos 19 anos, a notícia destruiu seus sonhos de ser mãe. Mas, no último dia 5 de setembro, ela deu à luz uma menina.
Poucos dias antes, Tallulah havia conversado com a BBC como parte do Dia Internacional de Conscientização sobre Ataxia, celebrado em 25 de setembro, sobre sua jornada e expectativas.
A seguir, confira seu depoimento em primeira pessoa.
“Nunca vou ser mãe”, falei, enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Foi a primeira coisa que disse ao meu neuropsicólogo —e este seria o tema da próxima hora de consulta.
Não acredito que já se passaram sete anos desde que fui diagnosticada com ataxia. Sete anos desde que meu mundo inteiro virou de cabeça para baixo.
Lá estava eu, uma menina cujo sonho de ser mãe havia sido destruído em uma visita de uma hora ao hospital, uma jovem desolada que, naquele exato momento, estava questionando sua mera existência.
Como eu iria cuidar de uma criança? De um bebê? Será que alguém iria me querer como mãe agora?
Quem tem ataxia pode apresentar problemas ao usar os dedos e as mãos, os braços e as pernas, ao andar, falar ou mover os olhos. A ataxia afeta pessoas de todas as faixas etárias. A idade em que os sintomas aparecem pode variar amplamente, desde a infância até o fim da vida adulta.
A ideia de não poder ser capaz de carregar meu próprio filho no colo, de correr com ele no parque, de pegá-lo quando caísse, foi o suficiente para destruir meus sonhos por completo. Ele me veria como uma mãe chata ou, pior ainda, como um constrangimento?
Não só pensei que nunca seria mãe, como que ninguém iria querer construir uma família comigo.
Agora, me sinto sortuda por ser amada pelo meu parceiro, Hasan, tão gentil, carinhoso e atencioso. Mas reconheço, e ele me lembra muitas vezes, que ele também tem muita sorte.
Minha deficiência fez de mim a pessoa por quem meu namorado se apaixonou, a pessoa por quem nossa filha, esperamos, também vai se apaixonar.
Uma curva de aprendizado
Não pense que não dói meu coração cada vez que vejo uma mãe “normal” fazer as coisas que sempre desejei fazer.
Um nó na garganta ainda se forma toda vez que meus priminhos me pedem para pegá-los no colo e, simplesmente, não entendo por que não consigo.
Não pense que não estou lutando contra a vontade de chorar só de olhar alguém segurando um bebê enquanto está de pé.
Mas estou aprendendo a aceitar as coisas como elas são —e me concentrando no que vou ser capaz de fazer. Por exemplo, tenho um andador com rodinhas para poder colocar o bebê no sling (tecido para carregar o bebê) e circular com segurança pela casa.
Os abraços e o vínculo vão se dar no sofá ou na cadeira. O amor que sinto pela minha filha me enche de confiança de que ela vai se sentir absolutamente adorada a cada segundo de cada dia.
Aprendi a ignorar os comentários inúteis que ouvi nos últimos anos, como: ‘mas como você vai dar conta?’ ou ‘você vai precisar de muita ajuda extra; você sabe disso, né?’.
Tudo o que sempre sonhei foi ser mãe, criar minha família, andar por aí com minha pequena mini-Tallulah. Em parte, meu próprio sonho, em parte, um sonho da sociedade.
Expectativas da sociedade
A sociedade coloca muita pressão sobre as mulheres, inclusive para que se tornem mães. Esse é o nosso papel, certo?
Não vou mentir, cometi o erro de alimentar essa ideologia de perguntar se a pessoa quer ter filhos.
Olho para trás e fico constrangida com o quão insensível é essa pergunta. Talvez não consigam, talvez tenham perdido um filho ou simplesmente não queiram. E isso não era da minha conta.
Desde que tenho lembrança, sempre me disseram que eu seria uma ótima mãe, então sempre aceitei. Nunca questionei ou duvidei disso. Eu adoro crianças, então é claro que seria. Nasci para isso.
Desde que fui diagnosticada, continuei com esta narrativa de nunca parar de me perguntar: ‘Mas é isso mesmo que eu quero?’. Isso foi até o início deste ano.
Eu queria ser uma mãe com deficiência? Era justo comigo ou com o bebê? Será que a sociedade me julgaria?
Sofri uma lavagem cerebral para me concentrar nas coisas que não posso fazer, em vez de na abundância de coisas que posso.
Prefiro que minha filha se lembre da mãe como sendo afetuosa, carinhosa e compreensiva do que se eu era capaz de correr ou não pelo parque com ela.
Uma adulta madura
Muitas pessoas com deficiência são infantilizadas. Muitas vezes, somos tratados com condescendência e de forma paternalista.
Muitas vezes, somos considerados menos capazes devido à nossa deficiência, e somos aplaudidos sempre que realizamos algo que nossos pares sem deficiência conseguem fazer.
Os adultos com deficiência podem sentir que não pertencem ao mundo adulto.
Às vezes, a notícia de que estou grávida é um choque. Como é possível? Observar as expressões faciais das pessoas quando conto a novidade se tornou um novo hobby.
No entanto, acho que o fato de estar grávida fez com que as pessoas me vissem de outra forma. Quando relato com convicção como estou planejando cuidar da minha filha, me sinto fortalecida. Gosto de contar a quem quiser ouvir porque sinto que isso me dá mais credibilidade como adulta.
Isso é algo que espero que continue na maternidade. Talvez eu esteja esperando que a maternidade me legitime de alguma forma.
Só espero que não me deem um adesivo, e digam que sou uma inspiração por dar à luz
Texto publicado originalmente aqui.