Todos os efeitos das mudanças climáticas são ainda piores para as crianças, segundo diversos estudos e análises feitas por órgãos como OMS (Organização Mundial da Saúde), Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) e a AAP (Academia Americana de Pediatras).
Entre as doenças agravadas pela crise, por exemplo, 88% vão recair sobre crianças com menos de 5 anos, conforme a OMS. Durante as ondas de calor, o mesmo grupo tem maior dificuldade para regular a própria temperatura corporal. As fortes chuvas que causam enchentes fazem com que elas dependam de adultos para se proteger e, muitas vezes, são deixadas à mercê de programas sociais.
“Quando olhamos para a mudança climática, estamos vendo também uma crise para o direito das crianças”, diz Danilo Moura, especialista em crise climática do Unicef no Brasil.
Como a fisiologia das crianças é diferente, explica Moura, o impacto direto de eventos extremos como ondas de calor e inundações é maior sobre elas.
Além disso, porque seus direitos são pouco garantidos em geral, há menor proteção e prevenção para sua saúde, o que agrava o quadro, afirma o advogado do Instituto Alana, Guilherme Pecoral, especializado em justiça climática.
Segundo alerta feito pela AAP em fevereiro deste ano, o aumento da temperatura tem sido associado a uma disparada nas hospitalizações de crianças, por doenças como dengue e chikungunya.
A poluição do ar também afeta mais as crianças que os adultos, destaca o advogado do Instituto Alana, que protocolou no STF (Supremo Tribunal Federal), em parceria com outras organizações, uma manifestação pedindo adoção urgente de medidas de prevenção e combate aos incêndios que atingem o país.
As crianças inalam mais ar por quilo de peso corporal e absorvem mais poluentes em relação aos adultos enquanto seus pulmões estão em formação, afirma a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
Além disso, explica Pecoral, as escolas, equipamentos públicos que estão em todo o território nacional e concentram crianças, muitas vezes não têm uma infraestrutura adequada para prevenir episódios críticos de poluição do ar.
As instituições tampouco são preparadas para lidar com calor excessivo ou chuvas fortes, diz Moura, e, durante eventos extremos como inundações, são uma das opções de abrigo para os deslocados, o que também afeta a educação das crianças.
A instabilidade causada pelos eventos climáticos prejudica a saúde mental de todos, mas especialmente das crianças, uma vez que estão com corpo e cérebro em desenvolvimento, afirma o presidente da SBP, Clóvis Francisco Constantino.
“Os primeiros cinco anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento cerebral da criança. Ela precisa estar muito bem nutrida, em um meio social que facilite sua interação com as pessoas e o próprio meio ambiente, e necessita ter uma qualidade do ar que possibilite oxigenar bem seus pulmões sem parcelas grandes de poluentes”, diz Constantino.
“A velocidade de desenvolvimento nos primeiros anos de vida é muito grande, qualquer interferência desequilibra isso”, completa.
Direitos das crianças são afetados
Com a mudança do padrão de calor e chuvas, a agricultura familiar sofre mais que grandes produtores para cultivar alimentos, diz Danilo Moura. Estudos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), porém, mostram que a maior parte das crianças brasileiras mais pobres recebem alimentos da agricultura familiar.
“O sistema que garante a segurança alimentar das crianças brasileiras é extremamente vulnerável à mudança climática, especialmente no Nordeste, onde o aumento da aridez coloca uma pressão sobre um sistema de produção já pressionado”, afirma o especialista.
Pesquisa do Unicef publicada nesta semana mostra que 2,1 milhões de crianças e jovens não têm acesso a água no Brasil. “Embora a água seja um direito humano essencial para todo mundo, as crianças sofrem mais imediatamente o efeito da sua falta do que adultos, porque precisam de mais água para se manterem saudáveis”, diz Moura.
O sistema de proteção contra a pobreza e de assistência social também fica pressionado pelos eventos climáticos extremos, complementa, o que dificulta ainda mais a assistência voltada às crianças.
“O que a gente está fazendo [ao negligenciar o meio ambiente] é estreitar as possibilidades de quem as crianças podem ser —que tipo de vida elas podem levar, onde podem morar, com o que podem trabalhar e que natureza vão conhecer”, diz Moura.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.