As principais redes de farmácias estão enfrentando escassez do Ozempic, medicamento para diabetes que tem sido usado para emagrecimento. Como resultado, pacientes que o utilizam precisam adaptar o tratamento seguindo recomendações médicas.
Especialistas, no entanto, não veem grande problema na falta do remédio e recomendam a substituição pelo Wegovy, indicado para o tratamento de obesidade.
Esse foi o caminho adotado por Victor Medeiros, de 32 anos. Ele começou a usar Ozempic há cerca de cinco meses. O medicamento, cujo princípio ativo é a semaglutida, uma forma sintética do hormônio GLP-1, promove a saciedade e, consequentemente, auxilia na perda de peso.
O remédio é administrado por meio de uma caneta injetável com doses de 0,25 mg, 0,5 mg e 1 mg. As doses menores, usadas no início do tratamento, são as que estão em falta.
Quando começou o tratamento, Medeiros pesava 127 kg. Hoje, ele está com 97 kg. “O medicamento realmente fez muito bem para mim. Diminuiu significativamente minha hemoglobina glicada, que estava em 9%.” Hoje, ao realizar exames de glicemia, seus níveis de açúcar no sangue ficam entre 5% e 6%.
O histórico familiar de diabetes —o pai morreu por complicações da doença, e a mãe é diabética— levou Medeiros a ficar mais atento à saúde.
Ao procurar uma endocrinologista, ele encontrou no Ozempic uma oportunidade de reduzir sua glicose, que chegava a 150 mg/dL em jejum, além de adotar uma alimentação saudável e praticar atividade física. Os níveis são considerados normais quando estão entre 70 e 100 mg/dL em jejum. “Melhorou muito minha questão do apetite, porque eu comia toda hora”, afirma.
Embora resida no Rio de Janeiro, Medeiros frequentemente viaja a trabalho para São Paulo. Em uma dessas viagens, ele precisou repor sua caneta de Ozempic, mas não encontrou a dose que precisava, nem em São Paulo nem no estado natal. Por isso, sua médica prescreveu o Wegovy, outro medicamento injetável à base de semaglutida. A única diferença entre eles é a dosagem disponível e a finalidade especificada na bula.
O Ozempic pode ser substituído pelo Wegovy sem problemas, afirma Felipe Henning Gaia Duarte, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo. “É a mesma substância, do mesmo fabricante, só muda a embalagem.”
O Wegovy chegou às farmácias brasileiras em julho e a principal diferença em relação ao Ozempic está nas dose maior, que chegam a até 2,4 mg.
Outra opção disponível no mercado é o Rybelsus, comprimido de semaglutida em doses de 3, 7 e 14 mg, mas que, ao contrário do Ozempic e do Wegovy, deve ser tomado diariamente.
É importante destacar que esses medicamentos podem causar efeitos colaterais. Medeiros relatou dificuldades para comer e episódios de náusea quando começou a usar Ozempic.
“O efeito colateral comum a ambos é náusea e vômito, geralmente nos primeiros dias do tratamento ou ao aumentar a dose”, explica Marcio Mancini, endocrinologista e coordenador do Departamento de Obesidade e Síndrome Metabólica da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Por isso, recomenda-se iniciar o tratamento com uma dose menor e aumentá-la gradualmente. “Normalmente, aplica-se 0,25 mg durante quatro semanas antes de aumentar a dose. E, se necessário, o médico sobe de 0,5 mg para 1 mg”, explica.
Quando alternou entre o Ozempic e o Wegovy, Medeiros sentiu uma dor abdominal durante a aplicação da caneta e dores de cabeça que antes não experimentava.
A Novo Nordisk, empresa que fabrica ambos os medicamentos, não recomenda que pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) sem obesidade substituam o Ozempic pelo Wegovy.
“Embora ambos possuam o mesmo princípio ativo (semaglutida), foram desenvolvidos para tratar condições diferentes, com dosagens, dispositivos de aplicação e aprovações específicas. Cada medicamento foi estudado para atender às necessidades de cada comorbidade, garantindo um controle adequado da dosagem e segurança do paciente”, informa a empresa em nota.
“O uso do Wegovy no lugar do Ozempic, por pacientes com DM2, pode expor a riscos, como efeitos colaterais inesperados, além de infringir as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, acrescenta a empresa.
Sobre a escassez das doses de 0,25 mg e 0,5 mg de Ozempic nas farmácias, a Novo Nordisk informou que “a disponibilidade de Ozempic® 0,25 mg, 0,5 mg e 1 mg será intermitente ao longo de 2024, devido à demanda acima do esperado.” A farmacêutica afirma ainda que não há problemas de qualidade ou regulamentação e que o produto não será descontinuado.
“Dada a complexidade envolvida na cadeia de distribuição de medicamentos em nível nacional, espera-se que o estoque do produto se restabeleça gradualmente, pois a disponibilização envolve etapas que não podem ser aceleradas”, explicou a Novo Nordisk.
A escassez de Ozempic também ocorre na Europa e nos EUA. A alta demanda se deve em parte ao uso para fins distintos do tratamento de diabetes tipo 2, como o emagrecimento, muitas vezes sem prescrição médica. “O que é errado é a automedicação, quando a pessoa compra e começa a usar com orientações da internet, por exemplo”, diz Mancini.
O endocrinologista ainda critica a venda de Ozempic sem receita médica. “O remédio deveria ser vendido apenas com apresentação de receita. Isso está indicado na faixa vermelha da embalagem”, afirma. “Infelizmente, no Brasil, isso nem sempre funciona. A pessoa chega na farmácia, pede o remédio, e ele é vendido.”
A escassez também incentiva a falsificação. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu um alerta sobre a venda de canetas de insulina reaproveitadas com rótulos de Ozempic. A agência orientou a população a ficarem atentas às características da caneta original, como a cor azul clara, e só comprar produto completo, dentro da caixa.